Este site usa cookies para melhorar a sua utilização.

Artigo de opinião no Diário de Aveiro, 28 | novembro | 2019

Rui Oliveira




De que forma entendemos a saúde mental?

Numa viagem recente no metro de Lisboa, ouvi um comentário de alguém que consistiu mais ou menos no seguinte: «O suicídio é uma cobardia». A afirmação capta e tem subjacente uma superficialidade que, receio, ainda está latente na forma como alguns julgam a saúde mental. Primeiro, por ser tabu falar de saúde mental.

Segundo, pois é feita uma ligação entre fraqueza, cobardia, preguiça, mimo, displicência ou tédio, etc., e saúde mental , ou seja, muitas situações de saúde mental, que, importa enfatizar, têm origem em factores biológicos, psicológicos e/ou sociais, são vistas como culpa da própria pessoa.

A discussão, penso, deve estar mais concentrada naquilo que representa a saúde mental (que, aterradoramente, por vezes pode levar ao acto do suicídio). Numa discussão estimulante, Tal Ben-Shahar , professor e autor nas áreas da psicologia positiva, psicologia organizacional e liderança, e que a certa altura teve a aula mais popular da Universidade de Harvard , apresentou a dicotomia tristeza vs. depressão, onde, resumidamente, o que distingue as duas é que a depressão é tristeza acompanhada de falta de esperança. Aqui temos um exemplo onde, necessariamente, cabe também ao indivíduo compreender a importância de procurar ajuda, tal como em perturbações de ansiedade ou obsessivo-compulsiva , entre muitas outras. E considerando os avanços na medicina psiquiátrica e na terapia (cognitiva, comportamental, psicoterapia, psicodrama, etc.), embora muito longe de acessível e disponível a todos, temos certamente uma responsabilidade em zelar pela nossa saúde mental e consciencializar para o esforço pessoal necessário em todo o processo.

Agora, daí se passar para considerar algo tão sensível e exigente como «cobardia»? A afirmação inicial não alcança, de todo, a complexidade do assunto. Interessa, sim, é perceber, tal como diz Andrew Solomon (The New Yorker, 8 Junho 2018), que «para alguém sem uma doença ou distúrbio mental, o suicídio pareceria a resposta permanente para as aflições temporárias? O suicídio é resultado do desespero, da desesperança, do sentimento de ser um fardo para os outros. Pode ser alimentado por doença mental ou por circunstâncias da vida, mas é quase sempre o resultado de ambos»; ou que as «taxas de depressão entre adolescentes aumentaram desde 2011, e os estudantes estão mais endividados e enfrentam mais incertezas sobre as suas vidas. Apesar de uma economia em crescimento, as pessoas que hoje trabalham não se sentem confiantes de que amanhã estarão empregadas; com a automação, muitos empregos parecem terrivelmente precários. E a rede de segurança social está a implodir em todas as oportunidades». Há muito, muito, a discutir. Para já, chamo só a atenção de dados da Organização Mundial de Saúde absolutamente alarmantes: perto de 800.000 pessoas morrem de suicídio todos os anos (uma pessoa a cada 40 segundos).

O debate sobre saúde mental ainda é marcado por ignorância, falso moralismo, facilitismo e leviandade, e é obrigatório começarmos a olhar para estes problemas de forma mais séria e informada. No mínimo com respeito, pois se é algo que não atinge cada um de nós, seguramente nos afecta a todos.

P.S.: Aconselho, pela ternura, honestidade, bruta lidade, hilaridade, o especial de «stand up» de Gary Gulman, «The Great Depresh», para a HBO.

 

Fonte: Diário de Aveiro

Visitas: 2798
fct       fcsh        bcp       

edp        edp        ribei