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Working Paper n.º 7
Introdução à Constituição Europeia

01 | 07 | 2005
António Goucha Soares, Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa

Em Outubro de 2004, os Estados-membros da União assinaram o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa. A entrada em vigor da Constituição europeia dependerá, todavia, da sua ratificação por todos os signatários.

O processo de ratificação sofreu um revés importante na sequência dos referendos à Constituição realizados em França, e na Holanda. A perspectiva da ratificação do Tratado Constitucional por todos os Estados-membros ficou prejudicada pela sua recusa por dois países fundadores da Comunidade Europeia.

Curiosamente, no debate público que precedeu o referendo francês, as questões mais controversas para a opinião pública não incidiam sobre o núcleo duro da Constituição europeia – simplificação dos Tratados, direitos fundamentais, parlamentos nacionais, delimitação de competências, reforma das instituições – mas antes sobre aspectos conexos com a integração europeia, os quais parecem ensombrar o futuro da União.

De entre esses aspectos, salienta-se a difícil metabolização do alargamento da União a dez novos Estado – e os consequentes receios associados à deslocalização de empresas – o projecto de directiva sobre a liberalização dos serviços, e o problema da adesão da Turquia. Estes mesmos temas, aos quais se poderá acrescentar a questão da imigração, dominaram também a campanha referendária nos Países Baixos.

Poder-se-ia dizer que os assuntos que marcaram os referendos francês e holandês sobre a Constituição incidiram fundamentalmente sobre a competitividade da economia desses Estados no quadro da globalização, a manutenção dos direitos sociais garantidos pelo Estado-Providência, e a questão da segurança da interna face aos desafios da abertura de fronteiras e da pressão dos novos fluxos migratórios. No fundo, os cidadãos parecem mais preocupados com as ameaças que pairam sobre o chamado modelo social europeu, sustentáculo de um european way of life, do que com os arranjos constitucionais resultantes da última conferência intergovernamental.

O presente texto pretende fazer uma breve introdução à Constituição europeia. Assim, analisa o Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa – adoptado com base projecto apresentado pela Convenção europeia, em 2003, e objecto de alterações introduzidas pela conferência intergovernamental – à luz do mandato definido pela Declaração de Laeken, ou seja, simplificação dos Tratados, estabelecimento de uma delimitação de competências mais rigorosa entre a União e os Estados, estatuto da Carta dos Direitos Fundamentais, papel dos Parlamentos nacionais na arquitectura europeia, bem como a melhoria da legitimidade democrática da União, e das suas instituições, com o intuito de a aproximar dos cidadãos. Todavia, será interessante começar por referir como a própria ideia de elaborar uma Constituição europeia emergiu no decurso dos trabalhos da Convenção.

A Ideia De Constituição

A Declaração de Laeken, aprovada pelo Conselho Europeu, em Dezembro de 2001, não conferia mandato expresso para a Convenção elaborar um projecto de Constituição europeia. O texto de Laeken continha uma fórmula hábil em que, com base na questão da simplificação e reestruturação dos Tratados, perguntava se este processo não poderia conduzir, a prazo, à aprovação de um texto constitucional da União. De seguida, indagava sobre quais deveriam ser os valores de base dessa Constituição.

A Convenção decidiu apresentar um documento único ao Conselho Europeu. Documento que reuniria o consenso dos seus membros. Esta opção fundava-se na experiência do grupo de reflexão que preparou a conferência intergovernamental do Tratado de Amesterdão. Neste caso, o grupo de reflexão apresentou um relatório final onde destacava, a propósito de cada questão, as soluções maioritárias, bem como as posições defendidas pela minoria. Durante as negociações da conferência intergovernamental, considerou-se que a definição prévia de perspectivas divergentes contribuiu para maior rigidez das posições defendidas por cada Estado-membro. Na verdade, o Tratado de Amesterdão não conseguiu aprovar a reforma das instituições comunitárias em vista do alargamento.

Por tais motivos, a Convenção seguiu a estratégia de apresentar um documento de consenso. O que em si mesmo não implicaria que revestisse a forma de um projecto de Constituição europeia. Claramente, não decorria dos termos da Declaração de Laeken a existência de um mandato explícito de elaboração de um projecto de índole constitucional. Ainda que existissem elementos no conteúdo da Declaração que apontavam, embora a prazo, para a elaboração de um texto de natureza constitucional. Pelo que a decisão de apresentar um projecto de Constituição poderia ser, em certo modo, questionável (Pitta e Cunha, 2004, p.80)

Todavia, as questões que resultavam do mandato de Laeken tinham conteúdo eminentemente constitucional. Na verdade, a citada Declaração solicitava que a Convenção encontrasse forma de melhorar a repartição de competências entre a União e os Estados, que reflectisse sobre o estatuto jurídico da Carta dos Direitos Fundamentais, que simplificasse os Tratados constitutivos das Comunidades e da União, que debatesse sobre os poderes das instituições comunitárias. Ora, a essência do constitucionalismo reside no enunciado dos direitos fundamentais dos cidadãos e nas regras relativas à organização do poder político. Pelo que a missão que se atribuía à Convenção versava, substancialmente, em torno de uma reflexão de natureza constitucional: apresentar recomendações sobre o modo de conferir força jurídica às disposições da Carta dos Direitos Fundamentais; sobre a divisão vertical de competências entre a União e os Estados-membros; sobre a separação horizontal de poderes entre as instituições da União. Do ponto de vista formal, deveria também ponderar sobre o tipo de documento que condensaria as disposições fundamentais da União Europeia.

Na fase inicial de discussão, em Junho de 2002, a Convenção deliberou que submeteria um projecto de Constituição ao Conselho Europeu. Ou seja, as conclusões do seu trabalho seriam apresentadas sob forma de um projecto de Constituição europeia. Causa próxima de tal decisão terá sido o debate sobre o carácter vinculativo da Carta dos Direitos Fundamentais (Oliveira Martins, 2003, p.8). Ao decidir pela inclusão da Carta dos Direitos Fundamentais no corpo das disposições da União, e não como Protocolo anexo a esse documento, a Convenção reconhecia implicitamente a natureza constitucional do seu exercício, na medida em que as declarações de direitos são elemento indispensável de qualquer texto constitucional.

Em todo o caso, resulta claro que à Convenção não havia sido conferido poder constituinte. O poder constituinte em sede de integração europeia pertence aos Estados-membros, apenas. Foram eles que fundaram as Comunidades e a União, e que decidiram sobre as suas sucessivas alterações. A eles compete decidir sobre a aprovação de um texto de natureza constitucional, em substituição dos respectivos Tratados.

Assim, a Convenção não estava mandatada para proceder ao exercício do poder constituinte, tendo-lhe sido apenas solicitado que reflectisse sobre a reelaboração dos textos fundamentais da União, nos seus aspectos formais e de substância. Por estes motivos, a Convenção poderá ser entendida como expressão da vontade constituinte dos Estados-membros, na medida em que lhe foi pedido que discutisse, e apresentasse recomendações, sobre questões de natureza eminentemente constitucional (Kokkot, 2003, p.1320).

Recorde-se que a literatura jurídica há muito assinalava a existência de um conjunto de elementos que haviam operado a chamada constitucionalização do Direito Comunitário. Essa ideia foi reforçada pelo entendimento do Tribunal de Justiça de que os Tratados desempenhariam função de carta constitucional no ordenamento da Comunidade. Todavia, a perspectiva da existência de uma dimensão materialmente constitucional no sistema comunitário não ultrapassou os limites do universo jurídico, pelo que os actores políticos principais no processo de integração europeia, nomeadamente, o Conselho Europeu, preferiam sublinhar a origem internacionalista dos actos fundadores das Comunidades e da União – os Tratados – e o controlo exclusivo que sobre eles exerciam os Estados.

Simplificação dos Tratados

De entre as dificuldades que o fenómeno da integração europeia colocava aos cidadãos destacavam-se a multiplicidade de instrumentos jurídicos básicos, a coexistência de duas entidades distintas - as Comunidades e a União - e a arquitectura em pilares em que esta última assentava. A vontade de aproximar a União dos cidadãos obrigava à simplificação da sua infra-estrutura jurídica.

A Constituição europeia realiza progressos assinaláveis nesta matéria. Assim, prevê a cessação da existência da Comunidade Europeia, enquanto entidade distinta da União. A Comunidade será plenamente absorvida pela União. O que representará o termo da fase de integração económica, como núcleo duro do processo de construção europeia.

Em consequência, a Constituição europeia pretende acabar com o sistema de pilares em que assenta a arquitectura da União Europeia (Dougan, 2003, p. 764). Na verdade, desaparecem os três pilares da União. Pode-se afirmar que no caso do chamado terceiro pilar, correspondente à cooperação policial e judiciária em matéria penal, ocorre uma integração plena das suas disposições no sistema geral da União. Terminam, com efeito, as especificidades que justificam a existência de tratamento separado, em sede de instrumentos jurídicos e controlo da legalidade. Verifica-se, pois, a incorporação formal e material das disposições do terceiro pilar no sistema geral da União.

Algo distinta se apresenta a situação no chamado segundo pilar. Com efeito, apesar da sua incorporação formal no texto do Tratado Constitucional, a política externa e de segurança comum mantém um tratamento diferente face às demais áreas de intervenção da União. Assim, em questões como a participação do Parlamento Europeu e da Comissão no processo de decisão, deliberação por voto maioritário, ou aceitação da jurisdição do Tribunal de Justiça, a política externa e de segurança comum continua a reger-se por princípios divergentes das restantes áreas de actuação da União. O que significa que se verifica uma fusão formal das disposições do chamado segundo pilar, mas não se procede à sua incorporação material no sistema da União (Kokott, 2003, p.1326). Portanto, a política externa e de segurança comum permanecerá um domínio com natureza claramente intergovernamental.

Em estreita relação com as alterações a nível de simplificação dos Tratados, decorre a questão da personalidade jurídica. Nos termos do Tratado de Roma, a Comunidade Europeia goza de personalidade jurídica. Ou seja, a Comunidade Europeia beneficia da susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações, tendo capacidade para assumir compromissos jurídicos nas suas relações com terceiros Estados ou organizações internacionais. O Tratado de Maastricht, que estabeleceu a União Europeia, não atribuiu personalidade jurídica à União. Todavia, o Tratado de Amesterdão afirmou que a União podia celebrar acordos com Estados ou organizações internacionais. Na prática, isso implicaria uma forma de reconhecimento implícito da personalidade jurídica da União, na medida em que se previa que ela poderia assumir direitos e obrigações em virtude da realização desses acordos. Em todo o caso, não havia reconhecimento explícito da personalidade jurídica da União.

As alterações introduzidas pela Constituição, com a absorção da Comunidade pela União, e a consequente “despilarização” do Tratado, acentuaram a necessidade de esclarecer a questão da personalidade jurídica. Assim, o Tratado Constitucional dispõe que a União tem personalidade jurídica (artigo I-7º). O que se afigura como consequência lógica da incorporação da Comunidade na União. Com efeito, a Comunidade dispunha de personalidade jurídica, enquanto a União podia apenas ser titular de direitos e obrigações nas suas relações com terceiros. Logo, a Constituição não poderia deixar de atribuir explicitamente personalidade jurídica à União, sob pena de condicionar fortemente a sua actuação nos domínios das relações comerciais internacionais e da política externa e de segurança comum.

Relativamente à estrutura, a Constituição europeia encontra-se dividida em quatro partes, comportando um total de 448 artigos. A Parte I, que contém 60 artigos, foi elaborada pela Convenção. Pretende fornecer aos cidadãos uma ideia precisa sobre o conjunto de objectivos, valores e competências da União, bem como enunciar os princípios gerais do seu sistema institucional, do funcionamento democrático, do regime financeiro e da qualidade de membro da União. É o cerne do novo Tratado Constitucional.

A Parte II incorpora os 54 artigos da Carta dos Direitos Fundamentais, elaborada pela primeira convenção, no texto da Constituição. A Convenção europeia entendeu que a Carta havia sido preparada por uma instância dotada de nível de conhecimento superior sobre direitos fundamentais, razão por que decidiu receber em bloco o respectivo texto. Foram apenas introduzidas alterações nas disposições que regem a interpretação e aplicação da Carta, bem como se procedeu a actualização das chamadas anotações ao texto da Carta.

A Parte III, com 322 artigos, é consagrada às políticas e funcionamento da União. Tem uma lógica complementar da Parte I, numa relação que se poderia considerar de carácter técnico. Ou seja, as disposições fundamentais da Constituição encontram-se na Parte I, no entanto, a sua aplicação deverá ser realizada nos termos da Parte III. Nessa medida, a Parte III poderá ser considerada como revestindo natureza para-constitucional. A elaboração desta Parte foi realizada com base no relatório apresentado por um grupo constituído por membros dos serviços jurídicos do Conselho, Comissão e Parlamento Europeu, a pedido do Praesidium da Convenção. A Parte III consagra uma reestruturação geral das disposições dos Tratados da União e das Comunidades Europeias, com o intuito de promover a sua simplificação e racionalização (Ziller, 2003, p.74). As disposições da Parte III foram adoptadas pela Convenção, em sessões extraordinárias realizadas em momento posterior ao Conselho Europeu de Salónica, o qual havia recebido apenas as Partes I e II do projecto de Tratado Constitucional.

A Parte IV, com apenas 12 artigos, é dedicada às chamadas disposições gerais e finais. Neste particular, obedece à prática comum na sistematização de Constituições e Tratados. A Parte IV revoga os actuais Tratados, regula a entrada em vigor do Tratado Constitucional, o seu processo de revisão e estabelece o regime linguístico da União.

Divisão de Competências

A divisão vertical de competências entre a Comunidade e os Estados-membros foi objecto de escasso interesse nas primeiras décadas de integração europeia. Em parte, porque o Tratado previa um complexo sistema de atribuição funcional de competências à Comunidade Europeia, que não facilitava o entendimento da repartição de competências entre os Estados e a Comunidade; noutra parte, porque os Estados se sentiam protegidos pelo controlo absoluto que exerciam sobre o processo de decisão.

A partir do Acto Único Europeu, em 1986, emergiram preocupações com as tendências centrípetas verificadas no mecanismo de repartição de competências. Na verdade, os Estados começaram a recear o fenómeno da centralização de competências em favor da Comunidade. Em consequência, o Tratado de Maastricht procurou introduzir um conjunto de princípios relativos à divisão de competências entre a União e os Estados, de entre os quais o princípio da subsidiariedade.

Apesar do Tratado de Maastricht ter conseguido interromper os motivos que conduziam à centralização de competências – recurso intensivo à cláusula de flexibilidade prevista no Tratado da Comunidade Europeia para adopção de actos jurídicos em domínios que careciam de atribuição específica pelos Estados (artigo 308º); bem como a interpretação que o Tribunal de Justiça fazia das disposições do Tratado – certo é que permaneceram acusações contra a excessiva intromissão da Comunidade e da União em áreas de actuação dos Estados.

Na verdade, ainda que o Tratado de Maastricht tenha conseguido estancar os fundamentos da centralização de competências, não conseguiu tornar o sistema de repartição de competências numa realidade compreensível para a generalidade dos actores políticos. As dificuldades de entendimento do mecanismo de divisão de competências levaram os poderes infra nacionais de certos Estados, sobretudo os que assentam numa organização de tipo federal, a reclamar por uma delimitação mais rigorosa de competências entre os Estados e a União. Pretensão acolhida pela Declaração anexa ao Tratado de Nice e pela Declaração de Laeken.

A Parte I da Constituição consagra o Título III às Competências da União. Este Título começa por afirmar as regras que sustentam a delimitação e o exercício das competências da União, os princípios da atribuição e da subsidiariedade, respectivamente (artigo I-11º). De seguida, enuncia as categorias de competências atribuídas à União: competências exclusivas da União; competências partilhadas com os Estados-membros; medidas de apoio que a União pode desenvolver para coordenar ou complementar a acção dos Estados (artigo I-12º).

As competências exclusivas da União são os domínios em que apenas a União pode legislar, como sucede com a política monetária ou a união aduaneira. As competências partilhadas são áreas em que a União e os Estados podem legislar, como acontece com o mercado interno ou a política agrícola. O exercício dessas competências pela União determina, em princípio, a preclusão da respectiva competência dos Estados. As medidas de apoio são domínios que permanecem na competência dos Estados-membros, sendo que estes consentem que a União possa adoptar medidas complementares da sua actuação, como se verifica nas áreas da educação ou da cultura. Não se verifica, portanto, uma atribuição de competências à União no âmbito das chamadas medidas de apoio, diferentemente do que sucede com as competências exclusivas e partilhadas.

A Constituição europeia enumera os domínios de competência exclusiva da União (artigo I-13º), de competência partilhada com os Estados-membros (artigo I-14º), bem como as áreas em que a União pode desenvolver medidas de apoio em complemento da actuação dos Estados-membros (artigo I-17º).

O sistema de divisão de competências entre a União e os Estados definido na Constituição europeia resulta mais compreensível e transparente de quanto pudesse aparecer nos Tratados da Comunidade e da União. Neste sentido, a Constituição realiza plenamente os objectivos fixados pela Declaração anexa ao Tratado de Nice e pelo mandato de Laeken. Sem prejuízo das objecções que possam ser formuladas quanto às soluções de natureza técnica adoptadas nesta matéria (Goucha Soares, 2004, p.67).

Parlamentos Nacionais

Os Parlamentos nacionais tendem a ser considerados como os órgãos mais afectados pelo processo de integração europeia. Na verdade, a instituição democrática por excelência em todos os Estados-membros, tem visto o cerne da sua actividade política prejudicado em virtude da construção europeia. Quer no plano da actividade legislativa, quer no quadro do controlo político da actividade do governo, os Parlamentos nacionais sofreram limitações de monta no exercício dos seus poderes. No âmbito da actividade legislativa, os Parlamentos nacionais viram parte dos seus poderes serem exercidos no plano comunitário por efeito da atribuição de competências normativas à Comunidade. No quadro do controlo político sobre os governos, os Parlamentos nacionais deparam-se crescentemente com situações onde os órgãos executivos iludem os mecanismos de responsabilidade política, com a escusa do cumprimento de obrigações comunitárias.

Por tais motivos, os Parlamentos nacionais reclamavam maior protagonismo no processo de integração europeia, de modo a compensar o impacto negativo causado pelo fenómeno da construção europeia na sua esfera tradicional de poderes. Sendo certo que se considerava, também, que a participação dos Parlamentos nacionais no sistema político da União seria susceptível de contribuir para o aumento da legitimidade democrática da integração e, por este modo, melhorar a sua aceitação por parte dos cidadãos.

Durante a Convenção, o Presidente Giscard d’Estaing defendeu que a solução para melhorar o papel dos Parlamentos nacionais na construção europeia consistiria na criação de uma nova entidade, um Congresso Europeu, composto por membros dos Parlamentos nacionais e do Parlamento Europeu. Independentemente dos poderes que deveriam ser conferidos ao Congresso Europeu, seria certo que se trataria de outro órgão para acrescentar ao complexo sistema institucional da União.

O Parlamento Europeu combateu tenazmente a ideia da criação do Congresso, temendo que ele pudesse comportar ameaça à sua participação crescente no processo político da União. Não aceitava que o aumento da participação dos Parlamentos nacionais pudesse ser feito à custa da sua posição no sistema político da União. A eficácia da estratégia do Parlamento Europeu, no decurso dos trabalhos da Convenção, levou ao abandono da ideia de criação de um Congresso Europeu no final dos trabalhos, quando o Presidente careceu do apoio dos deputados europeus para se opor às derradeiras investidas de sectores intergovernamentalistas contra o projecto de Constituição (Ziller, 2003, p.105).

A Constituição europeia consagra uma solução bastante equilibrada no tocante à participação dos Parlamentos nacionais no sistema político da União. Os Parlamentos nacionais foram associados ao processo legislativo da União, através da criação de um controlo político prévio sobre a aplicação do princípio da subsidiariedade. Trata-se do chamado mecanismo de alerta rápido sobre a aplicação da subsidiariedade, que visa completar o controlo a posteriori sobre a observância deste princípio, realizado pelo Tribunal de Justiça.

Nos termos do Protocolo Relativo à Aplicação dos Princípios da Subsidiariedade e da Proporcionalidade, anexo ao Tratado Constitucional, os Parlamentos nacionais receberão da Comissão todas as propostas legislativas apresentadas na União, em simultâneo com o seu envio às instituições dotadas do poder de decisão. Os Parlamentos nacionais poderão formular um parecer fundamentado sobre o cumprimento do princípio da subsidiariedade pelo projecto legislativo em causa. Caso receba pareceres sobre a inobservância do princípio da subsidiariedade, em número superior a um terço do total dos votos representados pelos diferentes Parlamentos nacionais, a Comissão deverá reanalisar a sua proposta legislativa.

Esta solução tem a virtude de associar os Parlamentos nacionais ao processo legislativo da União, facto inédito na integração europeia, bem como suprir uma insuficiência existente na aplicação do princípio da subsidiariedade. O mecanismo previsto permite, ainda, evitar a criação de um novo órgão, que aumentaria a complexidade institucional da União.

Carta dos Direitos Fundamentais

Os propósitos de integração económica que presidiram ao estabelecimento das Comunidades Europeias não permitiram que estas fossem dotadas de preceitos relativos à protecção dos direitos fundamentais. Contudo, a dinâmica de integração económica cedo demonstrou que a actuação das Comunidades poderia violar direitos fundamentais dos cidadãos. Para colmatar tal lacuna, o Tribunal de Justiça desenvolveu um método jurisdicional de protecção dos direitos humanos no âmbito da aplicação do ordenamento comunitário.

O reforço da protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos na União exigia, no entanto, uma abordagem política do tema. O modo como tal abordagem foi perspectivada permitia que a União enveredasse por dois caminhos distintos: a adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem; ou a adopção de um catálogo próprio de direitos fundamentais. Dificuldades de natureza jurídica, declaradas na década de 1990, impediram a primeira opção. Por esse facto, a União decidiu adoptar uma Carta dos Direitos Fundamentais.

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, elaborada pela primeira convenção, em 2000, não produziu, todavia, efeitos jurídicos imediatos. A reflexão sobre a natureza jurídica da Carta foi remetida para o mandato da Convenção europeia.

De entre as várias soluções equacionadas, sobre o modo de conferir força vinculativa às disposições da Carta, a Convenção decidiu pela incorporação da Carta dos Direitos Fundamentais na Constituição europeia.

A incorporação da Carta dos Direitos Fundamentais como Parte II da Constituição europeia obrigou à alteração dos preceitos finais da Carta, relativos às disposições que regem o seu modo de interpretação e aplicação, bem como proceder a actualização das anotações à Carta, no intuito de afastar ambiguidades quanto ao sentido e alcance das suas normas (Turpin, 2003, p.632). Assim, o Tratado Constitucional confere à União um catálogo de direitos fundamentais plenamente vinculativo.

Todavia, a importância da Constituição europeia em sede de direitos fundamentais não se queda pela solução relativa à natureza jurídica das disposições da Carta. Na verdade, o Tratado Constitucional prevê, também, a adesão da União à Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo I-9º). Sendo este o mais notável instrumento de protecção dos direitos fundamentais no espaço europeu, é de aplaudir que o Tratado Constitucional remova os obstáculos que no passado impediram a adesão da União.

Deste modo, a União beneficiará de uma protecção alargada dos direitos fundamentais. Com efeito, para além de uma Carta de Direitos vinculativa - que combina um vasto elenco de direitos de natureza civil, política, económica e social - permitirá também a fiscalização externa dos direitos previstos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por parte do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Termos em que a União poderá reivindicar um sistema de protecção de direitos fundamentais com alcance idêntico aos Estados-membros.

Vida Democrática da União

A questão da legitimidade democrática da União tem sido tema recorrente na agenda política europeia. A Declaração anexa ao Tratado de Nice referia a necessidade de melhorar a legitimidade democrática da União, de forma a aproximá-la dos cidadãos dos Estados-membros. Por seu turno, a Declaração de Laeken perguntava, a este respeito, quais as iniciativas que poderiam ser tomadas para desenvolver um espaço público europeu.

De entre as novidades da Constituição europeia encontra-se um Título consagrado à vida democrática da União, na sua Parte I. O Título VI introduz princípios inovadores no texto do Tratado, como sejam a igualdade democrática, democracia representativa e democracia participativa, bem como agrega outras disposições que se encontravam dispersas nos Tratados, tais como o papel dos parceiros sociais, Provedor de Justiça Europeu, princípios da transparência e abertura dos trabalhos das instituições, protecção de dados pessoais e estatuto das igrejas e organizações não confessionais.

No tocante à igualdade democrática, a Constituição afirma que a União respeitará, em todas as suas actividades, o princípio da igualdade dos seus cidadãos, que beneficiam de idêntica atenção por parte das instituições (artigo I-45º). Curiosamente, o projecto apresentado pela Convenção não continha referência ao princípio da igualdade dos Estados-membros. Com efeito, a Convenção incluiu apenas a ideia de igualdade dos cidadãos, considerando que o princípio da igualdade dos Estados-membros transportava preocupações organizativas de natureza federal (Peters, 2004, p.43). Todavia, sendo a União Europeia uma associação de Estados, o princípio da igualdade deveria mencionar também os Estados-membros. Situação consagrada na versão final do Tratado Constitucional (artigo I-5º).

A Constituição declara que o funcionamento da União se baseia no princípio da democracia representativa, referindo que o Parlamento Europeu representa os cidadãos da União. Por seu turno, os Estados-membros encontram-se representados no Conselho Europeu e no Conselho, por intermédio dos respectivos governos, os quais são eles próprios responsáveis perante os Parlamentos nacionais, eleitos pelos cidadãos (artigo I-46º). Este preceito pretende fixar a dupla legitimidade política subjacente à União, complementando o sentido das disposições relativas à arquitectura do sistema institucional.

A disposição mais inovadora em sede da vida democrática da União é o princípio da democracia participativa. Este preceito tem o mérito de constitucionalizar a ideia de democracia deliberativa no processo político da União, reconhecendo aos cidadãos, e às associações representativas, o direito de expressarem os seus pontos de vista, estabelecendo um diálogo transparente e regular com as instituições, que deverá acompanhar a preparação de todas iniciativas da União (artigo I-47º). Com o objectivo de facilitar o acesso público ao processo de decisão, visando aumentar a legitimidade da função legislativa a nível europeu.

A este título, a Constituição europeia prevê, também, a existência de um direito de iniciativa legislativa popular. Assim, uma petição subscrita por mais de um milhão de cidadãos, oriundos de diferentes Estados-membros, poderá convidar a Comissão para que apresente propostas legislativas consideradas necessárias à aplicação da Constituição. O novo direito reconhecido aos cidadãos, cuja implementação carece de regulamentação através de lei europeia, parece particularmente adequado à promoção de um debate transnacional sobre questões europeias e, por essa via, contribuir para o desenvolvimento de um espaço público comum a toda a União. Esta solução tem o mérito de atenuar a natureza exclusivamente representativa do processo político da União, sem afrontar o monopólio da iniciativa legislativa da Comissão (Peters, 2004, p. 45).

Reforma das Instituições

A reforma das instituições constituía o ponto mais delicado do mandato da Convenção. A relação entre este tema e a questão da finalidade da integração permitia antever que dificilmente se encontrariam soluções que alterassem o equilíbrio de poderes vigente. Situação confirmada pelo Tratado Constitucional. No entanto, e apesar da manutenção da relação existente entre a dimensão supranacional e a vertente intergovernamental da União, a Constituição conseguiu introduzir alterações no sistema institucional que importa mencionar.

Desde logo, no tocante ao Parlamento Europeu. A Constituição retoma a tradição de fazer do Parlamento Europeu a instituição mais beneficiada pelas alterações introduzidas. Na verdade, o Parlamento Europeu conhece um aumento considerável da sua participação no exercício da função legislativa. O Tratado Constitucional prevê que a adopção dos actos legislativos da União se realize pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho, em conjunto, nos termos do processo legislativo ordinário (artigo I-34º). Esta situação permitirá um incremento significativo da posição do Parlamento Europeu no exercício do poder legislativo, na medida em que o actual processo de co-decisão é apenas aplicável a um quarto dos actos legislativos adoptados pela União (Peters, 2004, p.48). O Parlamento beneficia, ainda, de notável incremento de poderes em sede orçamental, passando a aprovar a lei europeia que fixa o Orçamento anual da União, em conjunto com o Conselho.

À guisa de compensação, o Tratado Constitucional reforçou o papel do Conselho Europeu no processo político da União. Assim, o Conselho Europeu vê finalmente consagrado o estatuto de instituição da União, sendo colocado no mesmo plano das demais instituições existentes desde o início do processo de integração, e não mais como uma formação funcionalmente distinta do Conselho (artigo I-19º). A centralidade do papel do Conselho Europeu é acrescida pela existência da figura do Presidente do Conselho Europeu, cargo exercido a tempo inteiro e desligado do mecanismo das presidências rotativas (artigo I-22º). Os desenvolvimentos verificados a nível do Conselho Europeu permitem acentuar a vertente intergovernamental da União, com destaque para o facto do Presidente do Conselho Europeu ofuscar o protagonismo do Presidente da Comissão, em particular, no plano da representação externa da União.

A nível do Conselho, registo para a criação da formação do Conselho dos Negócios Estrangeiros, presidido por um Ministro dos Negócios Estrangeiros da União, desligado do mecanismo das presidências rotativas, e responsável por todas as políticas externas da União (artigo I-28º). Medida que pretende reforçar a visibilidade exterior da União e assegurar a coerência da sua actuação.

A Constituição europeia altera profundamente o mecanismo de votação por maioria qualificada no seio do Conselho. Na verdade, a solução encontrada em Nice para as deliberações por maioria qualificada assentava em critérios pouco transparentes e dificilmente compreensíveis. A Convenção propôs uma solução radicalmente distinta, baseada numa dupla maioria, que reflectisse a natureza da União como entidade de Estados e cidadãos. Deste modo, as decisões por maioria qualificada obtêm-se pelo duplo requisito de uma maioria Estados, representando certa percentagem da população da União. A solução permite superar a golden rule existente desde a fundação, baseada no tratamento paritário entre França e Alemanha, a qual perturbou as negociações realizadas em Nice (Giscard d’Estaing, 2003, p.113). Não sendo a União uma entidade de carácter federal, afigura-se aceitável que o voto por maioria no Conselho se deva basear na dupla legitimidade política subjacente à própria União.

No tocante à Comissão, as alterações introduzidas pela Constituição parecem debilitar o seu peso global no sistema político da União. Desde logo, a criação de um Presidente permanente do Conselho Europeu, que tenderá a rivalizar com o Presidente da Comissão. Mas também a própria figura do Ministro dos Negócios Estrangeiros, que acumulará funções de Vice-Presidente da Comissão. Quanto a esta figura, se ela consegue realizar o objectivo de unificar a representação externa da União, nos domínios político e económico, a solução de amarrar o seu titular às duas instituições parece criticável. Na verdade, o Ministro dos Negócios Estrangeiros terá que obedecer a uma dupla lealdade política, no confronto de duas entidades que assumem posições frequentemente conflituantes. Sobre este aspecto, alguns autores consideram o Ministro dos Negócios Estrangeiros como uma espécie de “submarino” do Conselho no seio da Comissão, ameaçando o princípio da separação de poderes e contribuindo para o enfraquecimento progressivo desta última no processo político da União (Pérez de Nanclares, 2003, p.561).

A Conferência Intergovernamental

A assinatura do Tratado relativo ao alargamento da União, em Abril de 2003, e o facto da presidência sucessiva do Conselho competir à Itália, que pretendia ver Roma como palco da assinatura do novo Tratado Constitucional, levaram à antecipação da data de abertura da conferência intergovernamental, fixada pelo Tratado de Nice. Assim, a conferência intergovernamental iniciou os seus trabalhos em Outubro de 2003, com o objectivo de proceder à conclusão das negociações por ocasião do Conselho Europeu de final do ano.

A ambição da conferência intergovernamental manifestada, desde logo, na previsão de um prazo insolitamente breve para o decurso das negociações, revelou-se também no facto de os seus trabalhos serem liderados pelos Chefes de Estado e de Governo. Por outro lado, os países candidatos à adesão participaram nas sessões da conferência intergovernamental, nos mesmos termos que os Estados-membros.

Apesar do vasto consenso estabelecido nesta fase da conferência intergovernamental em torno do projecto de Constituição apresentado pela Convenção, não foi possível proceder à conclusão das negociações durante o Conselho Europeu de Dezembro de 2003.

Com efeito, a conferência intergovernamental não conseguiu obter acordo de todos os Estados sobre duas questões básicas ao funcionamento da União: composição da Comissão; e definição da votação por maioria qualificada no seio do Conselho. Relativamente ao primeiro ponto, a maioria dos Estados de pequena e média dimensão opôs-se à ideia de uma Comissão formada por um número reduzido de membros, defendendo antes o princípio de um Comissário por Estado. No tocante à segunda questão, Espanha e Polónia manifestaram a sua intransigência em aceitar o sistema de dupla maioria proposto pela Convenção, com o pretexto que o mesmo afectava gravemente o peso relativo destes Estados no seio do Conselho.

A inflexibilidade negocial dos Estados sobre as questões acima referidas, com particular relevo para as posições assumidas pela Espanha e Polónia sobre a votação por maioria qualificada, não permitiu concluir as negociações da conferência intergovernamental no prazo previsto. Por outro lado, a inexistência de soluções alternativas que permitissem, a breve termo, vislumbrar a obtenção de um acordo global sobre o novo Tratado, levou os Estados a suspenderem os trabalhos da conferência intergovernamental.

Curiosamente, a conferência intergovernamental parecia afundar-se nos mesmos terrenos que haviam conduzido ao falhanço das negociações de Amesterdão sobre a reforma das instituições, e que caracterizaram as delicadas negociações que levaram à assinatura do Tratado de Nice: composição da Comissão e votação por maioria qualificada no Conselho.

Todavia, a realização de eleições legislativas em Espanha, em Março de 2004, das quais resultou um governo formado por partido diferente, que logo se mostrou receptivo para superar o impasse negocial criado, permitiu a reabertura dos trabalhos da conferência intergovernamental.

O novo clima existente no seio do Conselho Europeu, pela perspectiva de adopção do Tratado Constitucional, e o entusiasmo gerado pela concretização do alargamento da União, permitiram que a presidência irlandesa apresentasse soluções, relativas aos temas objecto de discórdia, susceptíveis de merecerem o beneplácito de todos os Estados-membros.

Assim, na reunião do Conselho Europeu realizada em Bruxelas, em 17 e 18 de Junho de 2004, os Chefes de Estado e de Governo dos países da União concluíram as negociações da conferência intergovernamental, com a adopção do Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa.[1]

O acordo final baseia-se largamente no projecto de Constituição apresentado pela Convenção europeia. De referir que a maioria das modificações introduzidas pela conferência intergovernamental apresenta natureza puramente formal, consistindo em alterações à redacção formulada pela Convenção, em alguns casos com evidente melhoria da técnica normativa utilizada.

A essência do trabalho da Convenção - que abrange um novo texto constitucional com o objectivo de promover a simplificação dos Tratados e melhorar a legibilidade dos documentos fundamentais da União, a divisão de competências entre a União e os Estados-membros, o papel dos Parlamentos nacionais no processo de integração europeia, o estatuto da Carta dos Direitos Fundamentais e a melhoria da vida democrática da União - foi inteiramente recebida pelo acordo obtido na conferência intergovernamental. Do mesmo modo, a maioria das alterações propostas pela Convenção quanto ao funcionamento das instituições da União foram seguidas no novo Tratado, nomeadamente, o incremento de poderes do Parlamento Europeu, a consagração do Conselho Europeu como instituição e a criação da figura do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

Assim, os Estados-membros concluíram as negociações da conferência intergovernamental com um acordo que se inspira, no essencial, no projecto de Constiuição elaborado pela Convenção. Deste modo, os Estados-membros, actuando na qualidade de poder constituinte da União, caucionaram o exercício constitucional realizado pela Convenção europeia, o que permite remover as objecções suscitadas sobre a legitimidade desta instância para elaborar um projecto de Constituição.

Quanto às duas questões que haviam impedido a conclusão da conferência intergovernamental em 2003, as soluções finais alcançadas não alteram o equilíbrio do funcionamento institucional da União.

No tocante à composição da Comissão, o texto final da Constituição prevê que esta instituição seja formada no futuro por um número de membros correspondente a dois terços dos Estados da União. Todavia, este princípio terá aplicação faseada, na medida em que a Comissão cujo mandato se iniciará em 2009 será ainda composta por um nacional de cada Estado-membro (artigo I-26º). Portanto, a Constituição prossegue na linha do compromisso fixado em Nice, que previa que o número de membros da Comissão seria inferior ao número de Estados, quando a União se alargasse a mais de 27 países. Diferentemente da proposta formulada pela Convenção, a solução encontrada tem a vantagem de não prever a existência de Comissários sem direito de voto, como mecanismo compensatório para os Estados que não integrariam a formação de um determinado Colégio. Motivo pelo qual se pode considerar a razoabilidade do compromisso alcançado.

A questão da definição da votação por maioria qualificada foi objecto de uma solução mais complexa. A Convenção havia proposto que as deliberações do Conselho por maioria qualificada fossem obtidas por uma dupla maioria, composta por uma maioria de Estados, que representasse 60% da população. A conferência intergovernamental aumentou os elementos que compõem a dupla maioria para 55% dos Estados e 65% da população. Todavia, acrescentou um terceiro requisito, de carácter negativo, o qual determina que a minoria de bloqueio deverá ser composta por, pelo menos, quatro Estados (artigo I-25º). Ou seja, quando uma votação do Conselho alcançar o apoio da maioria dos Estados, mas que não representem 65% da população da União, a proposta será aprovada caso existam apenas três Estados que se lhe oponham.

Sem dúvida que a solução obtida pela conferência intergovernamental se apresenta menos clara que a proposta apresentada pela Convenção, a qual gozava de esmagadora simplicidade. Todavia, a solução encontrada para acomodar as pretensões da Espanha e Polónia, cuja capacidade efectiva para a formação de minorias de bloqueio havia sido seriamente enfraquecida pelo projecto da Convenção, tem a virtude de dificultar coligações entre grandes Estados.

Em todo o caso, o mérito maior da conferência intergovernamental terá sido a sua capacidade em aprovar um Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa que, no essencial, não se afasta das grandes linhas orientadoras do projecto que lhe havia sido submetido pela Convenção europeia. Quanto a este aspecto, o Conselho Europeu soube honrar o modo como recebeu o projecto da Convenção, declarando que se tratava de uma boa base de trabalho para a conferência intergovernamental.



[1] Documentos CIG 85/04 e CIG 86/04. A versão definitiva do Tratado Constitucional, assinada em Roma, consta do Documento CIG 87/2/04, Rev 2. Ver http://www.europa.eu.int/futurum/eu_constitution_pt.htm

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