Working Paper n.º 13
Entre a Centralidade e a Marginalização: a Reforma da ONU para o Séc. XXI
01 | 10 | 2005
Teresa de Almeida Cravo, Universidade de Coimbra
A celebração do 60º aniversário das Nações Unidas ficou marcada pelo debate em torno do maior projecto de reforma apresentado desde a sua criação.
Num momento especialmente crítico, em que a consciência de um progressivo anacronismo e a ameaça de obsolescência têm pairado sobre a Organização, a missão de proporcionar uma maior credibilidade, legitimidade e eficácia às NU teria, forçosamente, que se traduzir num projecto reformista ousado e politicamente sólido. E no entanto, as propostas inicialmente apresentadas no relatório do Secretário-Geral, e que deram o tom ao debate que se seguiu, eram pouco ambiciosas e vários Estados-membros trataram de baixar ainda mais a já modesta fasquia. O resultado das negociações que culminaram na recente Cimeira de Setembro foi um documento final decepcionante, muitas culpas a atribuir e o receio de que a organização mundial não esteja à altura do desafio.
Não pretendendo ser exaustivo, este artigo traça o quadro genérico do processo de reforma para, posteriormente, analisar alguns dos pontos mais elucidativos das forças e fraquezas do projecto aprovado em Nova Iorque que visa fazer frente ao risco de marginalização da Organização e afirmar a sua centralidade no dealbar do séc.XXI.
Introdução
A celebração do 60º aniversário das Nações Unidas (NU) ficou marcada pelo debate em torno do maior projecto de reforma apresentado desde a sua criação.
O grau de expansão da natureza e das funções da Organização neste mais de meio século de existência – muito além das aspirações iniciais – colocou uma enorme pressão sobre as estruturas originalmente previstas e produziu, inevitavelmente, um fosso entre promessas e desempenho que se impôs reverter. Assim, produto de uma reflexão em curso há já algum tempo, o Secretário-Geral (SG) apresentou no seu relatório, «Em Maior Liberdade: Desenvolvimento, Segurança e Direitos Humanos para todos»[1], um conjunto de propostas que reassume, antes de mais, a perenidade dos princípios e valores que sustentam as NU desde 1945 e insiste na necessidade de renovação das suas políticas e instituições, com vista a tornar a organização mundial mais credível, legítima e eficaz.
Num momento especialmente crítico, em que a consciência de um progressivo anacronismo e a ameaça de obsolescência têm pairado sobre a Organização, tal projecto reformista teria, forçosamente, que ser ousado e politicamente sólido. E no entanto, a preocupação em não desagradar determinados Estados-membros votou-o, logo à partida, a um nível de ambição muito abaixo do esperado. A modéstia das propostas inicialmente elaboradas por Kofi Annan, e que deram o tom ao debate que se seguiu, foi ainda confrontada com um duro processo de negociações ao longo deste ano, pautado em grande medida pela procura de satisfação dos interesses nacionais e que culminou, finalmente, na recente Cimeira de Setembro que reuniu em Nova Iorque mais de 150 chefes de Estado e de Governo. O resultado foi um documento final decepcionante, muitas culpas a atribuir e o receio de que a organização mundial não esteja à altura do desafio.
Não pretendendo ser exaustivo, este artigo traça o quadro genérico do processo de reforma para, posteriormente, analisar alguns dos pontos mais elucidativos das forças e fraquezas deste projecto que visa fazer frente ao risco de marginalização da Organização e afirmar a sua centralidade no dealbar do séc.XXI.
I – . A Criação de uma Janela de Oportunidade
A reforma das NU é já «um clássico», dadas as inúmeras vezes que tem sido posta em cima da mesa e reivindicada como imprescindível à sobrevivência da Organização. Foi, por isso, necessário que vários factores confluíssem para que a sua discussão fosse ganhando premência, mais recentemente, até se tornar realidade justamente este ano.
Uma das pessoas a quem se deve a abertura desta janela de oportunidade é, indubitavelmente, o actual SG. Emanando directamente do aparelho da própria Organização (sendo o primeiro SG eleito de entre os funcionários), Kofi Annan conhece bem o monstro burocrático e ineficiente que tem em mãos, ao mesmo tempo que está bastante familiarizado com as suas mais-valias e potencialidades. Não é, portanto, de estranhar que, apenas seis meses depois de assumir funções, o SG tenha dado início a um processo de reforma que viria a culminar no relatório discutido em Setembro deste ano. De facto, o que era inicialmente uma «revolução silenciosa»[2], orientada para uma melhor coordenação, transparência e eficiência do funcionamento da Organização – através de mudanças que não exigissem a alteração da Carta nem a aprovação, por meio de resoluções, dos seus membros[3] –, tornou-se progressivamente na procura por uma reforma estrutural e uma reconsideração profunda do papel das NU[4].
Kofi Annan soube igualmente jogar com o «momento histórico» carregado de simbolismo para galvanizar o interesse no ressurgimento da organização mundial em duas frentes. Por um lado, relembrando a oportunidade perdida em 1995 (altura em que se comemorava meio século de existência da Organização), quis aproveitar o impulso da celebração do 60º aniversário enquanto efeméride propícia para, no quadro de um conjunto de reformas, suscitar mais apoios e exigir mais compromissos da comunidade internacional no seu todo. Por outro, capitalizando a incerteza e indefinição que caracteriza a entrada no novo Milénio em todos os principais documentos lançados sob a égide das NU nos últimos anos, fez corresponder este momento com um de reflexão sobre novas formas de sociedade e de governação. Assim, a conjugação de datas permitiu servir de catalizador de um movimento reformador global que, sabiamente, se projectou sobre o sistema das NU enquanto actor preponderante.
Um outro factor relevante que permitiu superar as resistências em relação à centralidade e à necessidade de alargamento do alcance da Organização num futuro contexto foi o recurso, cada vez mais recorrente, às comissões mundiais independentes como suporte das suas políticas globais – de que é exemplo o presente projecto de reforma. O interesse original da ONU diz, na verdade, respeito à tentativa de colmatar um défice substancial de informação e competências analíticas para a execução das suas funções[5]. Contudo, estas comissões que englobam personalidades com capacidade para traduzir prestígio em persuasão foram-se revelando peças-chave para granjear apoio por entre a difusa comunidade internacional. Assim, a invocação do argumento de autoridade serve, uma vez mais, os intuitos de reforço do papel da organização mundial que preside a este processo de reforma[6].
Convém referir, no entanto, que todo o conhecimento produzido relativamente à realidade emergente e ao papel das NU não foi meramente táctico. De facto, o final do séc.XX revelou de forma flagrante a crise de governação que, fatalmente, afecta «a experiência mais ambiciosa, até à data, de gestão multilateral da sociedade internacional»[7]. A sucessão de crises económicas, políticas, ambientais, culturais e de segurança e dos mediatizados fracassos da década de noventa (de que são exemplo a ex-Jugoslávia, a Somália e o Ruanda) vem pôr a nu, de forma contundente, a ineficácia e insuficiência da ONU para assumir a missão de reguladora do sistema internacional, gorando as elevadas expectativas que tinham sido geradas pela nova ordem mundial.
Esta fase crítica de perda significativa de credibilidade da Organização vem ser ainda agravada pela deriva unilateralista dos EUA, consubstanciada na invasão do Iraque de 2003. Se já durante a última década do séc.XX a Organização se tinha revelado subordinada aos interesses estratégicos da única superpotência, o início do séc.XXI anuncia-a inteiramente refém da unipolaridade.
Inevitavelmente, o prestígio da ONU (assim como dos EUA) ficou gravemente ferido. E no entanto, à medida que o poder incontestável norte-americano se afirmava ostensivamente, as NU iam-se tornando progressivamente mais apelativas aos olhos da comunidade internacional[8]. Como realça Luck, face à impossibilidade de contrabalançar directamente o poderio norte-americano, os líderes mundiais apregoaram «o valor do direito, a tomada de decisão multilateral, a resolução pacífica de conflitos e uma maior centralidade das NU nas questões internacionais»[9]. O caos da tentativa de estabilização do Iraque não tardou a demonstrar a importância da organização mundial ao nível da reconstrução pós-bélica a quem tinha brandido a bandeira do fim das NU; assim como a necessidade dos EUA de procurarem a legitimação do acto consumado – ainda que em jeito de «multilateralismo à la carte»[10] – provou que a Organização não era totalmente irrelevante. Acresce ainda que a invasão, e consequentes divisões no seio do Conselho de Segurança (CS), não conseguiu impedir o consenso necessário à aprovação de importantes missões de paz, como a da Libéria, Costa do Marfim ou Haiti. Paradoxalmente, a guerra do Iraque, em vez de aprisionar a ONU numa lógica de fracasso, acabou por encorajar e representar o necessário ímpeto para a discussão sobre o processo de reforma.
Ainda mais recentemente, também o escândalo em torno do programa iraquiano “Petróleo por alimentos” serviu de mote à necessidade de repensar e credibilizar a actuação das NU. Os relatórios da comissão Volker, além de atingirem fatalmente o SG – que, apesar de ilibado do envolvimento directo na corrupção investigada, foi responsabilizado politicamente –, também não poupam os membros do CS que tinham poder de decisão sobre o programa (incluindo sobre os contratos especialmente visados nos relatórios) e apontam, de forma incisiva, as alterações organizacionais indispensáveis a uma maior transparência e eficácia no funcionamento da organização mundial.
As circunstâncias provavam, assim, o quão imprescindível se tornara uma reforma profunda para travar a erosão do apoio público internacional à Organização e gerar o consenso em torno da sua futura centralidade.
II – Pequenos Passos na Direcção Certa
Todo o empenho na criação de um novo “momento São Francisco” acabou, contudo, por não se concretizar. Do contexto previamente definido pelo relatório do SG, poucas medidas escaparam ao rigoroso escrutínio das delegações nacionais, em particular dos EUA. São, por isso mesmo, de destacar três importantes compromissos, que, não obstante terem sido desfalcados, representam mais-valias em todo este processo.
II.1 – A racionalização dos métodos de trabalho
Um dos pilares que presidiram à materialização desta reforma foi, indubitavelmente, o da racionalização dos métodos de trabalho, com vista a uma maior integração e eficiência do sistema das NU.
Transversal a todo o documento, esta preocupação representa, de uma forma geral, a prossecução e o aprofundamento das alterações substanciais que têm vindo a ser desenhadas e implementadas no quadro da «revolução silenciosa» do SG acima referida. Tendo em conta o potencial de eficiência de cada uma das estruturas organizativas que compõem o sistema e passando em revista os esquemas de interligação entre elas, esta linha de actuação visa, por exemplo, pôr fim à duplicação de actividades e ao despesismo, reorganizar as estruturas dos organismos subsidiários, tornar as agendas mais selectivas e concentradas nos assuntos prementes, fazer revisões periódicas do progresso feito relativamente a resoluções passadas e decisões tomadas, melhorar a articulação com a sociedade civil e o sector privado e até extinguir órgãos obsoletos, como o Conselho de Tutela. A gestão da ONU beneficiará ainda de um Gabinete de Ética e de um Comité de Supervisão Independente que apurarão falhas e respectivas responsabilidades, contribuindo para uma maior transparência no funcionamento da Organização.
Este compromisso tem, naturalmente, particular incidência sobre o Secretariado, o ECOSOC e a Assembleia Geral (AG) – dadas as suas tarefas específicas no seio das NU – mas dirige-se, enquanto pano de fundo, a todos os organismos do sistema em geral. Imprescindíveis a qualquer reforma que se queira eficiente, estas recomendações são particularmente sensatas e pertinentes, embora, em casos mais graves como o da AG que veremos mais à frente, não sejam, por si só, suficientes para reverter o fraco desempenho.
II.2 O triângulo conceptual: desenvolvimento, segurança e direitos humanos
A exigência de um novo quadro de governação numa época de profundas mudanças serviu de mote ao segundo compromisso presente no relatório do SG: a definição conceptual dos novos desafios e ameaças globais e a determinação das respectivas estratégias de resposta.
Da procura de consenso nesta matéria nasce o triângulo conceptual que deve guiar a reforma da ONU e a sua projecção no séc.XXI – o desenvolvimento, a segurança e os direitos humanos. Tendo como base a ideia realçada por Kofi Annan de que «não há desenvolvimento sem segurança, segurança sem desenvolvimento e nenhum dos dois sem direitos humanos»[11], grande parte do processo de negociação que se seguiu à apresentação do seu relatório foi marcado pelo debate em torno destes três conceitos e da sua efectiva interligação.
2.1 A agenda do desenvolvimento
A temática do desenvolvimento domina praticamente metade das páginas da declaração assinada em Setembro, demonstrando, assim, a importância que lhe foi dedicada ao longo de todo este processo, especialmente por parte dos países em desenvolvimento e da União Europeia. Tal prevalência não surpreende, uma vez que uma das principais inspirações do relatório do SG tinha sido já o «Projecto do Milénio» – criado com o intuito de elaborar um plano global para a concretização dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) acordados em 2000[12] – e a própria convocação desta reunião de chefes de Estado e de Governo pretendia, justamente, avaliar o caminho percorrido até aqui. Nesta matéria, porém, as notícias não são as melhores: embora tenha sido feito algum progresso, a divergência entre os indicadores reais e os compromissos do Milénio é muito significativa. E mesmo que o primeiro objectivo de diminuição para metade do nível de pobreza extrema da década de noventa possa vir a ser alcançado ao nível global até 2015, dificilmente o será a nível individual entre os países mais pobres do sistema internacional. Neste ponto, destaca-se ainda a preocupação fundamental com o desempenho em África – continente desproporcionalmente afectado pelos flagelos que os ODM procuram reverter. Como se afirma no último Relatório do Desenvolvimento Humano, que saiu poucos dias antes da Cimeira, a promessa feita está, de facto, em vias de ser quebrada[13].
Compreende-se, portanto, a opção de aproveitar esta discussão em torno da reforma das NU para voltar a dar um novo impulso mediático à luta contra a pobreza – ou não correspondesse esta preocupação aos ideais em que a Organização foi fundada. No campo simbólico, esta campanha tem sido, aliás, bem sucedida: a mobilização pública em torno dos ODM é visível e conseguiu até penetrar as prioridades da última reunião do G8. As críticas começam, porém, a avolumar-se quando se trata de discutir as medidas concretas que permitirão operacionalizar no terreno a panóplia de compromissos assumidos. De facto, à excepção, porventura, da obrigação dos Estados receptores elaborarem até 2006 planos nacionais para atingir os ODM, o conteúdo da declaração incide em questões antigas. As principais recomendações – em especial o aumento da ajuda ao desenvolvimento, as concessões comerciais para os países mais pobres ou o alívio da sua dívida pública – remontam à pressão que o Grupo dos 77[14] tem exercido, desde a criação da UNCTAD (Conferência das NU sobre o Comércio e Desenvolvimento) em 1964, no sentido da prossecução de uma agenda de desenvolvimento económico e social para os países do Sul apoiada pelo norte[15]. Também a meta dos 0,7% do PNB em Ajuda Pública ao Desenvolvimento, uma das mais emblemáticas desta temática, tem sido olhada com algum cepticismo, dada a história de apelos nesse sentido que remonta a uma declaração da Assembleia Geral de 1970[16] e foi mais recentemente reiterada no “Consenso de Monterrey”, na Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento no México, e também na Cimeira Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável em Joanesburgo de 2002. Embora este compromisso tenha, de facto, sido assumido pelos países europeus, dificilmente estes serão seguidos pelos restantes Estados desenvolvidos[17].
Além da falta de novidade, estas medidas foram ainda alvo de um ataque cerrado por parte do recém-nomeado Embaixador dos EUA na ONU[18]. No pacote das suas mais de 700 emendas ao projecto de declaração, apresentadas a escassas semanas da Cimeira, John Bolton tinha proposto apagar todas as referências quantitativas aos ODM da declaração final, por considerá-las inúteis e descredibilizadas, tentando rejeitar aquela que é uma das vantagens deste documento: converter a retórica da declaração do Milénio em medidas palpáveis com datas concretas[19]. O alcance das propostas acabou, na verdade, por ser mitigado; todavia, a questão do desenvolvimento mantém-se uma mais-valia no plano global de reforma da Organização e esta é, ainda assim, a parte da declaração mais concreta ao nível de definição de metas.
2.2 A responsabilidade de proteger
Ainda no âmbito deste compromisso conceptual e operacional, uma das maiores vitórias desta Cimeira, e que diz respeito à interligação entre segurança e direitos humanos, foi, claramente, o acordo alcançado quanto à “responsabilidade de proteger”. Este conceito apadrinhado por Kofi Annan nasce do relatório com a mesma designação – elaborado, a seu pedido, pela Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal, com o apoio do governo canadiano[20] – e é fruto de um dos debates mais quentes da década de 90, que se ficou a dever a um historial de fracassos, dos quais se destacam a Bósnia e o Ruanda. Na declaração, a comunidade internacional reconhece, pela primeira vez, a sua responsabilidade relativamente à protecção de populações sujeitas a genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade, caso os respectivos governos nacionais não possam ou não queiram reagir, prevendo, em último recurso, a possibilidade de uma acção militar autorizada pelo CS[21]. É a evolução do regime internacional de direitos humanos das últimas décadas que dita a erosão do princípio da não-ingerência e propicia que a soberania seja finalmente apresentada não como um escudo para líderes opressores mas como um instrumento ao serviço da protecção dos cidadãos.
Convém ainda referir que a formulação original que continha a “obrigação” de agir acabou por ser substituída, por imposição norte-americana, por “preparados” para agir – uma subtileza que trava a consagração da intervenção nestas circunstâncias não só como um direito mas principalmente como um dever.
II.3 A incipiente aposta na inovação
Das alterações institucionais previstas por este projecto de reforma, a criação da Comissão de Consolidação da Paz e do Conselho de Direitos Humanos é particularmente significativa, na medida em que reflecte a evolução extraordinária que as respectivas temáticas vêm sofrendo desde a assinatura da CNU. Colmatando um fosso institucional e respondendo à exigência de reestruturação de um organismo que arriscava a obsolescência, estes sinais de inovação são um trunfo em todo este frágil processo, embora seja de salientar, em ambos os casos, a manifesta diminuição do nível de ambição do relatório do SG para a declaração assinada em Setembro – vicissitudes inerentes ao mínimo denominador comum.
3.1 A Comissão de Consolidação da Paz
A «consolidação da paz» entrou, pela primeira vez, no léxico das NU em 1992 com a Agenda para a Paz de Boutros-Ghali, onde foi definida como a nova prioridade da Organização. Confrontado com o desafio de um número crescente de guerras civis particularmente violentas e concentradas nos chamados Estados falhados do sistema internacional[22], o SG instituiu um complexo modelo institucionalizado de resposta que viria a conferir um papel preponderante às NU durante toda a década de 90. É neste quadro que a consolidação da paz pós-conflito – definida como «acções para identificar e apoiar estruturas que fortaleçam e solidifiquem a paz, de forma a evitar um retorno ao conflito»[23] – vai progressivamente ganhando relevância.
No entanto, o crescente empenho da Organização na promoção activa da resolução desses conflitos foi revelando graves debilidades e não impediu mediatizados fracassos. A proposta de criação de uma Comissão que materialize o conceito de consolidação da paz parte, justamente, da constatação da necessidade de um maior apoio à transição pacífica de países a emergir de conflitos e, simultaneamente, do reconhecimento inequívoco daquela que é, hoje, uma das mais visíveis e exigentes áreas de actuação das NU. O entendimento generalizado que se foi gerando à volta da necessidade de um organismo com este propósito no seio da estrutura da Organização remonta, aliás, à proposta portuguesa de criação de uma Comissão de Paz e Desenvolvimento, sugerida pelo Embaixador de Portugal na ONU, Santa Clara Gomes, e apresentada pelo Primeiro-Ministro Durão Barroso em Setembro de 2003, e que foi posteriormente endossada, sob esta nova designação, tanto pelo Grupo de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança (outra das inspirações deste projecto de reforma) como pelo SG.
Esta nova estrutura organizativa terá três funções primordiais: servir de fórum para todos os actores envolvidos em actividades de consolidação da paz – indo ao encontro da ambição de uma coordenação mais eficaz e implementação mais coerente das políticas nesta matéria; atrair e garantir o compromisso político e financeiro sustentado destinado aos países-alvo (daí a criação do Fundo Permanente para a Consolidação da Paz, essencial para avaliar a disponibilidade e mobilizar o financiamento internacional); e conceder apoio técnico e informação especializada que permitam a definição de prioridades e uma melhor compreensão dos obstáculos que se colocam genérica e especificamente à implementação da paz. Salientaria, igualmente, a proposta avançada pelo SG no sentido de assegurar um acréscimo de legitimidade e eficiência às recomendações, que abre espaço à participação de organizações e de actores nacionais nas reuniões por país, permitindo que as prioridades definidas reflictam as necessidades dos países-alvos e confiram um sentido de «apropriação» relativamente ao que é decidido e posteriormente implementado[24].
A localização institucional desta Comissão foi, contudo, uma das questões mais difíceis de resolver. Dada a sua estreita ligação com as operações de paz e, simultaneamente, com o desenvolvimento económico e social, gerou-se uma disputa entre os membros do CS, que queriam a Comissão sob a sua alçada, e os países em desenvolvimento, que pretendiam que esta dependesse da AG ou do ECOSOC onde têm maior representatividade. O braço-de-ferro acabou por resultar na criação desta Comissão, até ao final do ano, como um organismo intergovernamental consultivo que pretende fazer a ponte entre CS, ECOSOC e AG. É, porém, de realçar que, não sendo um organismo subsidiário de nenhum deles, a atribuição de competências no sentido de poder desenvolver os seus próprios programas e operações, como inicialmente previsto, fica francamente condicionada[25].
3.2 O Conselho de Direitos Humanos
Fruto das crescentes críticas à actual Comissão de Direitos Humanos e da necessidade de encontrar um organismo que melhor sirva esta causa no seio das NU, surge uma das propostas mais inovadoras desta reforma: a criação de um Conselho de Direitos Humanos.
Até agora o centro institucional da protecção dos direitos humanos no seio das NU tem sido o ECOSOC e, em especial, o organismo subsidiário por ele criado em 1946 – a Comissão de Direitos Humanos. Com um mandato que consistia em materializar o que estava esboçado, de forma particularmente vaga, nos artigos 55 e 56 da CNU em matéria de direitos humanos, a Comissão tratou de traduzir essa superficialidade na incumbência de criar normas jurídicas internacionais neste âmbito, procurando concomitantemente estabelecer orientações e obrigações para os Estados. Ao primeiro produto do seu trabalho – a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) – seguiram-se inúmeros outros tratados assim como o estabelecimento de um sistema de monitorização que foram progressivamente enriquecendo e internacionalizando uma estrutura complexa de consagração dos direitos humanos[26].
Contudo, ao longo dos anos, a Comissão foi ficando excessivamente burocrática, politizada e ineficiente. Ficou igualmente debaixo do fogo das críticas ao ter como membros Estados como o Zimbabué, Cuba ou a Arábia Saudita, que, em vez de contribuírem para a dinamização do trabalho da Comissão, se refugiam neste organismo precisamente para se protegerem contra as prováveis reprimendas nesta matéria. Esta situação, em que a função de elaboração e monitorização de normas internacionais de direitos humanos estava a ser usurpada por Estados sem qualquer compromisso no sentido da sua promoção e implementação nos seus próprios territórios nacionais, fez a Comissão perder credibilidade e legitimidade. Tais preocupações encontraram eco no SG – esta é, aliás, das partes do seu relatório em que as críticas a um dos organismos das NU são mais duras.
Assim, o que o Grupo de Alto Nível sugeria reformar, ampliando a participação a todos os Estados[27], Kofi Annan propõe extinguir e substituir por um novo pólo central de todo o trabalho da Organização neste âmbito, com um passado limpo de acusações mas assente em obras feitas. Idealmente, este novo Conselho de Direitos Humanos seria constituído enquanto órgão principal (e não apenas organismo subsidiário da AG), composto por um menor número de membros, eleitos pela AG por maioria de dois terços e cuja participação estaria restringida a países «cumpridores dos mais elevados padrões de direitos humanos»[28] e aberta à contribuição das ONGs em regime de consulta. Comprovando a pertinência das críticas à Comissão, encabeçadas pela União Europeia e pelos Estados Unidos, a sua substituição foi bem acolhida e consagrada no documento assinado pelos chefes de Estado em Setembro. Todavia, as resistências por parte de variadíssimos Estados-membros que, por regra, desrespeitam as normas vigentes em matéria de protecção dos direitos humanos, fizeram adiar, para os próximos doze meses, as decisões quanto aos detalhes da sua constituição. Por agora, temos pouco mais do que um acordo de princípio.
III – Os Fracassos Anunciados
Alguns dos principais desígnios deste projecto de reforma foram igualmente dos fracassos mais anunciados. As divergências quanto ao modelo a seguir no quadro de uma futura ampliação do CS, a cedência ao conservadorismo no que diz respeito ao potencial da AG e também o precedente recente das polémicas geradas em torno do terrorismo e das armas de destruição massiva (ADM) auguravam, à partida, a ausência de resultados substanciais que vieram a pautar a Cimeira de Setembro.
III.1 O horizonte longínquo da reestruturação institucional
A reforma que ofuscou todas as demais na grande maioria dos órgãos de comunicação social acabou por se revelar uma correspondente desilusão. A metamorfose do CS – sobre o qual recai a maior visibilidade em matéria de reestruturação institucional, por ter maior incidência sobre a eficácia da Organização enquanto garante da paz e da segurança internacionais[29] – ficou adiada para as calendas. A renovação da AG foi abandonada antes mesmo de fracassar.
1.1 O Conselho de Segurança
Largamente ineficiente durante as primeiras décadas de existência, com o final do confronto bipolar e a consequente eliminação da oposição ideológica entre os seus membros, o CS parecia renascer para o cumprimento das suas responsabilidades. A agilização da tomada de decisão no seio deste órgão foi, desde logo, associada à drástica redução do recurso ao veto[30], que permitiu que a segurança colectiva fosse accionada logo em 1991, na Guerra do Golfo, proporcionando uma entrada entusiástica na nova ordem mundial. Os anos seguintes voltaram, porém, a relembrar que a utilização ou ameaça de utilização do veto pairava ainda sobre todas as tomadas de decisão do Conselho e que o uso da força permanecia um tema contencioso[31]. Os casos do Kosovo e mais recentemente do Iraque viriam pôr cobro às dúvidas sobre a irrefutável preponderância deste privilégio e relançar o debate sobre a reestruturação deste órgão.
Faria, portanto, sentido que a questão da abolição do poder de veto, fulcral para a eficácia da tomada de decisão no seio do CS, detivesse um lugar central nesta discussão. Contudo, a relutância dos P5 em ver os seus poderes diminuídos, bloqueando qualquer solução que passe por uma alteração do seu estatuto, tornou esta hipótese inexequível num futuro próximo, transformando-se, indubitavelmente, no grande obstáculo à reforma deste órgão[32].
Assim, à falta de outros consensos em torno da eficácia, apostou-se na questão da representatividade. Reconhecendo que a existente composição do CS não reflecte o panorama geopolítico do séc.XXI e que o órgão não goza da total confiança da maioria dos Estados-membros das NU – devido à flagrante desigualdade geográfica e consequente exígua participação dos países do Sul na formulação da agenda e no processo de tomada de decisão – a reestruturação passou a significar expansão. A preferência por esta alteração coincide, aliás, de forma substancial, com o entendimento já preconizado em 1965, aquando da primeira e única ampliação do número de membros (não-permanentes), que passa no total de 11 para 15, para reflectir o notável aumento no número de Estados-membros da Organização, proporcionado pela primeira vaga da descolonização. Bailey e Daws avançam igualmente com a ideia de que, dado o activismo das NU na nova ordem mundial, a visibilidade tornou a hipótese de participação no CS mais apelativa, o que terá servido de motivação para as recentes pressões que se fizeram sentir no sentido de um alargamento [33].
Neste sentido, o relatório do SG, seguindo de perto a proposta do Grupo de Alto Nível, apresentava dois modelos de ampliação do Conselho, actualmente composto por cinco membros permanentes com poder de veto e dez membros não-permanentes eleitos por um período de dois anos, com base numa rotatividade geográfica[34]. O modelo A sugeria a criação de seis novos lugares para membros permanentes sem poder de veto e mais três para membros não-permanentes, eleitos por dois anos. O modelo B sugeria que nenhum lugar permanente fosse criado, abrindo o Conselho à participação de oito novos países, eleitos por um período de quatro anos, renovável, e mais um lugar não-permanente eleito por um período de dois anos. Em ambos os modelos, o número total de membros do CS passaria a ser de 24 e a representatividade geográfica mantinha-se preocupação fundamental, discriminando-se os novos lugares em relação à sua proveniência – África, Ásia-Pacífico, Europa e Américas –, modificando-se, porém, a divisão tradicional[35].
A relevância da pertença a este órgão pode ser aferida pelos Estados que têm vindo a fazer pressão para se tornarem membros no quadro de uma futura alteração da sua actual estrutura. A apresentação dos dois modelos de ampliação do Conselho, cuja diferença de fundo consistia na abertura ou não a novos membros permanentes sem poder de veto, rapidamente suscitou a formação de dois blocos opostos que traziam consigo as suas próprias propostas: a Alemanha, o Brasil, a Índia e o Japão coligaram-se no Grupo dos 4 (G4) e encabeçam o lobby no sentido da expansão do órgão na categoria de membro-permanente; o grupo Uniting for Consensus (também designado de Coffee Club), composto por 40 países e liderado pela Itália, Argentina, Paquistão e Coreia do Sul, alega que a tentativa de democratização do Conselho é incompatível com o aumento da representação privilegiada de alguns países, opondo-se, em concreto, aos Estados que beneficiariam desta alteração, numa lógica de competição pela liderança regional. A discussão entre estes dois grupos foi aumentando de tom à medida que nos fomos aproximando da Cimeira de Setembro, com o G4 a prometer o aumento da Ajuda Pública ao Desenvolvimento aos países mais pobres ou a ameaçar a redução das contribuições para a Organização e a ser, consequentemente, acusado de falta de ética por parte do grupo Uniting for Consensus[36]. Os países africanos, essenciais para resolver esta disputa no seio da AG e conceder a maioria de dois terços a um ou a outro, acabaram por formar um terceiro grupo com a sua própria proposta – o que representou um duro golpe nomeadamente para o G4. O seu modelo de ampliação foi, todavia, fortemente criticado por insistir na criação de novos lugares permanentes com direito de veto e o grupo nunca chegou, na verdade, a ser totalmente coeso, tendo em conta as divergências internas que foram surgindo quanto aos países que seriam escolhidos e apoiados pelos restantes para se tornarem membros permanentes.
A profusão de propostas de expansão concorrentes denunciava, desde o início, a dificuldade de conciliar interesses e reunir consenso nesta matéria. A acrescer às rivalidades entre os Estados aspirantes a novos membros, um outro obstáculo travou, por fim, qualquer espécie de acordo sobre esta reestruturação institucional na Cimeira de Setembro: o poder de bloqueio dos actuais membros permanentes, em especial dos EUA e da China. De um modo geral, o plano de reforma do CS tem falhado em conseguir granjear o apoio dos EUA, que o encaram como uma tentativa de diluição do seu poder à semelhança dos «esforços dos senadores romanos em controlar o imperador»[37]. Apoiando explicitamente as aspirações do Japão (e vetando implicitamente as da Alemanha), os EUA opõem-se a uma expansão que ultrapasse os dois ou três membros. Por outro lado, também a China inviabilizou a ambição do G4 no seu todo ao liderar uma campanha contra a adesão do Japão. Na verdade, toda a retórica solidária com as reivindicações dos países actualmente excluídos – logo, favorável à expansão do CS – não se traduz em consenso relativamente a “como” e “quem” deverá passar a fazer parte deste grupo restrito[38]. Se tivermos em conta que, conforme o estipulado no artigo 108 (capítulo XVIII), a entrada em vigor desta reforma exigirá uma emenda da CNU e a consequente ratificação por dois terços dos Estados-membros (128 dos actuais 191), inclusive todos os membros permanentes do CS, podemos ficar perante um cenário de constante adiamento desta reestruturação institucional durante os próximos tempos.
Vale a pena referir ainda uma preocupação que não encontra eco neste processo de reforma. Como refere Weiss, a reivindicação da expansão está ligada ao argumento da igualdade entre os Estados e não ao seu impacto prático no desempenho deste órgão[39]. Apesar da alteração na composição proporcionar um acréscimo indiscutível da legitimidade deste órgão, não será de esperar um efeito semelhante ao nível da diligência na tomada de decisões. A «fórmula da expansão», sem qualquer revisão dos métodos de trabalho do CS, tornará mais complexa a obtenção de uma maioria favorável à acção e dificilmente contribuirá para melhorar a eficiência do Conselho, na medida em que uma maior diversidade de membros trará consigo, inevitavelmente, uma maior diversidade de interesses e probabilidade de divergências.
Ao incidir apenas na questão da expansão, pelo caminho foram ficando outras propostas válidas que têm já vários anos e que não foram recuperadas nem no relatório do SG nem na Cimeira de Setembro. Nomeadamente a hipótese de exigir auto-restrição do poder de veto aos P5, no sentido da sua limitação a questões ao abrigo do capítulo VII da CNU; a ligação explícita entre disponibilidade para se candidatar a membro do Conselho e capacidade para contribuir de forma significativa, a nível financeiro e humano, para a concretização das medidas aprovadas com o seu aval; e ainda o aprofundamento da panóplia de medidas contidas na «revolução silenciosa» de Kofi Annan, que, apesar de pouco mediatizadas, têm feito progressos nos últimos anos no sentido de alterações pragmáticas aos procedimentos do Conselho[40].
1.2 A Assembleia Geral
A AG, descrita no relatório de Kofi Annan como um órgão em declínio[41], cuja revitalização era indispensável ao pleno desempenho da Organização, percorreu o caminho inverso ao do CS.
Enquanto o confronto bipolar implicou a deslocação do centro de funcionamento das NU do CS para os outros órgãos, entre os quais a AG, esta teve um ascendente importante sobre o papel da Organização. Durante este período, esteve permanentemente na linha da frente, quer como palco da progressiva mudança de composição das NU, através da adesão em massa dos países do “Terceiro Mundo” resultante da descolonização; quer como cenário privilegiado do debate Norte-Sul e impulsionadora da formulação de uma agenda distinta das ortodoxias do Norte e comprometida com o desenvolvimento[42]; quer ainda como substituta do órgão principal em matéria de paz e segurança, em virtude da sua paralisação, tendo actuado, à luz do procedimento “Uniting for Peace”[43], de forma a assegurar a legitimação do recurso à acção colectiva[44].
A AG logrou, assim, em afirmar progressivamente a sua força política e moral no seio do sistema das NU. Contudo, ao contrário do CS, o final da Guerra Fria significou um decréscimo considerável no seu contributo efectivo para as actividades da Organização. Hoje em dia, embora permaneça o órgão mais democrático e representativo das NU e palco fundamental para a expressão dos pequenos países do sistema internacional, a AG sofre um desgaste e uma descredibilização inquietantes. Apesar de encobrir sucessivamente a sua perda de relevância com uma enorme produção de resoluções, estas têm-se revelado pouco substanciais, não servindo verdadeiramente de base ao «policy-making» que é a sua função. Preocupada com a prática do consenso – que passa gradualmente a ser dominante, como forma de conferir peso político a meras recomendações através do apoio numérico alcançado –, a AG fez proliferar resoluções de mínimo denominador comum, com uma linguagem ambígua e vaga e com uma profusão de temas que, por falta de poder de implementação, foram caindo no esquecimento. Desta forma, o consenso no seio deste órgão foi-se tornando num «fim em si mesmo»[45], pouco frutífero em termos de resultados práticos.
Se as propostas do SG eram já decepcionantes no que diz respeito aos progressos a realizar no âmbito da AG, a declaração assinada em Setembro limita-se a chamar a atenção para o reforço do papel do Presidente da AG (até agora, mero coordenador das sessões de trabalho) e para a coordenação entre esta e os outros órgãos da ONU[46]. Nesta matéria, o projecto de reforma é omisso quanto a outros objectivos a atingir e mais ainda quanto aos meios para os atingir. Ressalta a falta de ousadia em soluções que mais parecem paliativas e, certamente, não marcarão a diferença decisiva para revigorar este órgão essencial.
III.2 Compromissos Adiados
O terrorismo e a proliferação das ADM têm vindo a assumir-se como duas das grandes ameaças à paz e à segurança internacionais, em especial desde o 11 de Setembro. No entanto, quatro anos volvidos, o debate em torno destes dois temas continua a caracterizar-se por um fosso, até agora intransponível, entre grupos distintos que se responsabilizam mutuamente pela ausência de acordo quanto a estratégias que permitam travar este duro combate. Deste ponto de vista, a Cimeira de Setembro não fez mais do que confirmar esta tendência.
2.1 O terrorismo internacional
Apesar de ser um dos leitmotivs deste projecto de reforma, a luta contra o terrorismo pouco avançou no decorrer das negociações que pautaram este último ano.
É um facto que a declaração final contém uma condenação peremptória do terrorismo «em todas as suas formas e manifestações, independentemente do lugar onde os actos de terrorismo sejam cometidos, dos motivos que os determinem e de quem sejam os seus autores»[47]. Contudo, a meta principal, previamente definida pelo SG, de encontrar uma definição comum de terrorismo fracassou. A versão em discussão, sugerida primeiramente pelo Grupo de Alto Nível e posteriormente endossada pelo relatório de Kofi Annan, esbarrou com as diferentes interpretações dos Estados-membros – uma divergência que tem protelado, pelo menos desde 1997, o objectivo de elaboração de uma convenção geral sobre terrorismo internacional.
Por norma, o consenso tem sido travado por duas questões, suscitadas especialmente pelos países árabes: a definição de terrorismo pelo seu intuito em vez de pela natureza do acto – permitindo, assim, a salvaguarda do direito de resistência à ocupação estrangeira; e a inclusão de uma referência ao terrorismo de Estado. Como claramente se adivinha – e já o afirmava o Grupo de Alto Nível no seu relatório sem grandes rodeios –, a dificuldade despoletada por esta definição é, manifestamente, uma questão política e não legal, já que no seu conjunto, as 12 convenções existentes em torno desta temática, as Convenções de Genebra e as resoluções das NU acabam por interditar virtualmente todo e qualquer acto terrorista[48]. A discordância nesta matéria representa, porém, um enfraquecimento considerável na promoção de uma acção colectiva contra o terrorismo internacional. E tudo indica que, enquanto se mantiver intacta a velha máxima de que um terrorista para uns pode ser um freedom fighter para outros, a força moral e normativa na luta contra esta ameaça estará irremediavelmente abalada.
2.2 A proliferação do armamento de destruição massiva
A grande ausência da declaração assinada em Nova Iorque é, incontestavelmente, a questão das ADM. Foi de tal maneira impossível chegar a acordo que o tema não é sequer abordado.
À semelhança da conferência realizada em Maio deste ano sobre o Tratado de Não Proliferação das Armas Nucleares (TNP), a discussão dividiu os Estados em dois campos, que mantiveram, rigidamente, as suas posições até ao fim, enquanto trocavam acusações entre si face à improbabilidade de convergência. Por um lado, os Estados possuidores de armamento nuclear (liderados pelos EUA) – e os que se sentem abrangidos pelo guarda-chuva de quem possui – exigem que os não-possuidores renunciem à sua posse; por outro, os Estados não-possuidores exigem que os Estados nucleares tomem medidas efectivas no sentido da eliminação dos seus arsenais. O debate não tem avançado porque uma exigência é condição da outra: só a garantia de que não surjam novos possuidores poderá levar os já possuidores a abdicarem dos seus arsenais e só a garantia da eliminação dos arsenais nucleares dos possuidores poderá levar à renúncia por parte de potenciais novos possuidores. Nem mesmo o grupo de «Estados Intermédios» que tem vindo a fazer pressão junto de ambas as partes, no sentido do reforço dos compromissos assumidos para a implementação do TNP, tem conseguido ultrapassar este penoso impasse.
O redondo fracasso das negociações resultante deste conflito de interesses é especialmente perigoso numa altura em que novos países anteriormente não possuidores, como a Coreia do Norte e o Irão, possuem já ou pretendem desenvolver programas de armamento nuclear e se corre o risco da transferência tecnológica para entidades não-estatais, organizações internacionais do crime ou redes terroristas internacionais. Como assinalou o SG, convergir nesta matéria tornou-se num imperativo político[49].
IV – A Reforma das Ausências
À crítica ao conteúdo deste projecto junta-se a crítica ao excluído. Várias propostas de reforma que têm sido largamente debatidas há já alguns anos não encontraram espaço no relatório do SG e passaram, por isso, à margem da discussão de Setembro. Três dessas «ausências» particularmente flagrantes serão expostas de seguida.
IV.1 A Assembleia Global de Povos
A ideia de criação de uma Assembleia Global de Povos no seio das NU nasce da reivindicação de uma forma institucionalizada de participação das vozes da sociedade civil na estrutura da organização mundial[50]. Enquanto órgão parlamentar representativo dos povos do mundo e eleito através do voto popular[51], esta Assembleia consistiria numa extraordinária oportunidade de participação no sistema das NU para actores presentemente excluídos, proporcionando, simultaneamente, uma ocasião para a diminuição do reiterado «défice de democraticidade» da Organização. Concebido como uma estrutura paralela à AG (dos Estados) e com competência para organizar debates, elaborar relatórios e passar resoluções, este órgão em potência seria essencial para a formulação de uma agenda alternativa à actualmente preponderante, contribuindo, assim, para a transparência, legitimidade e eficiência do sistema das NU[52].
As conferências dos anos 90 patrocinadas pela Organização deram visibilidade aos activistas que, um pouco por todo o mundo, reivindicam uma maior participação e uma governação mais inclusiva em todas as áreas que afectam o bem-estar humano. Contudo, a sua natureza ad hoc dificulta resultados mais palpáveis e o legado vestefaliano, que artificialmente limita a participação na estrutura da Organização aos Estados, permanece o maior entrave e justificação para a não-inclusão desta proposta no relatório de Kofi Annan[53].
IV.2 A Força Militar Permanente das NU
O fracasso em algumas operações de paz patrocinadas pelo CS ou a impossibilidade de actuar em determinados cenários de crise têm sido atribuídos, entre outros factores, à ausência de um contingente militar permanente ao serviço da Organização, que permita o envio rápido de soldados bem treinados e bem equipados, capazes de projectar uma força credível em locais altamente conturbados.
O recurso à segurança colectiva como previsto pela CNU tem, de facto, um handicap significativo: a total dependência da Organização à vontade política e à capacidade efectiva dos seus membros de contribuir para o desempenho das respectivas missões. Um exército permanente da Organização permitiria actuar em situações onde a pressão para agir é grande mas não há interesse dos Estados e seria igualmente uma forma de despolitizar este tipo de intervenções[54].
Não obstante esta ideia ter vindo a ganhar força, os Estados estão extremamente relutantes em permitir o desenvolvimento de capacidades ao nível das operações de paz que escape ao seu controlo político. Esta hipótese implicaria, necessariamente, o envolvimento de tropas nacionais em operações «questionáveis» à luz do interesse estratégico do Estado e que seriam, de outro modo, evitadas. Tem sido igualmente invocada a possibilidade de envolvimento precipitado das NU num conflito para o qual estão mal preparadas – embora aqui seja negligenciada a necessidade de aprovação no CS e o papel que o poder de veto manterá mesmo na eventualidade da criação de tal força. Acresce ainda o receio, bem presente, de que as NU se tornem numa força política independente com o seu próprio braço armado – à semelhança dos Estados nacionais –, capaz de exercer autoridade à escala mundial, contribuindo, assim, de forma decisiva, para a erosão das soberanias.
IV.3 A Imposição de Taxas Globais
A crise financeira que as NU enfrentam nos últimos anos, como resultado das dívidas dos Estados para com a Organização, acelerou o debate sobre formas alternativas de financiamento, independentes das contribuições governamentais.
Esta falta de vontade política de sustentar financeiramente o sistema das NU, que tem pautado a prática de alguns membros, tem reflexos não só ao nível da gestão corrente da Organização como, principalmente, ao nível da implementação de determinadas missões preteridas em nome dos interesses nacionais, comprometendo em larga medida a isenção e eficácia da ONU no cumprimento das funções que lhe estão arrogadas. Neste sentido, a imposição de taxas às transacções financeiras internacionais, à venda de armamento ou à exploração do património comum da humanidade, têm sido hipóteses frequentemente levantadas e amplamente discutidas, embora sem grandes frutos ao nível da concretização.
É inegável o impacto positivo no desempenho da Organização que o sucesso destas fontes alternativas de rendimento proporcionaria, principalmente pela sua utilização em benefício dos países menos desenvolvidos e da diminuição das desigualdades mundiais. No entanto, o reforço do futuro papel das NU na cena internacional pela via da independência financeira significaria igualmente uma maior liberdade relativamente ao controlo político dos Estados, nomeadamente dos mais poderosos – decorrendo daí, aliás, a forte resistência a estas propostas e a sua presente inexequibilidade[55].
Conclusão
A pretendida passagem da “revolução silenciosa” para uma reforma radical, que já não se concretizava no relatório do SG, caiu definitivamente por terra na Cimeira de Setembro: o que era manifestamente insuficiente enquanto base de negociação foi, como se previa, ainda mais esmiuçado sob a óptica do interesse nacional.
Os fracassos, as ausências flagrantes e mesmo os escassos laivos de inovação nos quais me centrei evidenciam um traço comum: a notória prevalência da estatalidade e consequente subalternização da participação de outros actores relevantes para o desenho da governação global. De facto, a cultura política das NU continua a ser orientada para a soberania, dominada pelo Estado e guiada pela satisfação dos seus interesses individuais em detrimento do bem-estar colectivo[56].
Esta resistência do legado vestefaliano da Organização ao cosmopolitismo[57], além de ter implicações ao nível do estreitamento indevido da agenda internacional aos assuntos prementes para os Estados, compromete, inevitavelmente, o ideal de «governação global humana» orientada para as pessoas em vez de orientada para entidades político-territoriais e mercados[58].
Pese embora a retórica moral que professa a unidade da raça humana, a dificuldade em construir um sentimento de comunidade mundial que, no mínimo, se equipare ao sentimento de comunidade nacional proporcionado pelos Estados, inibe a superação da fragmentação que tem pautado as relações internacionais[59]. É esta compartimentação que se faz sentir desde sempre no seio das NU e que – mesmo ultrapassada a cisão Este-Oeste ou suprimida a cisão Norte-Sul[60] – toma actualmente a forma de 191 Estados, condicionando, de forma flagrante, o seu projecto global.
Este plano de reforma, que assinala o 60º aniversário da Organização, fica muito aquém das expectativas dos que, como eu, imbuídos do síndrome «we believe», confiavam num sinal mais animador. Contudo, como Kofi Annan tem vindo a reiterar, «a reforma não é um evento; é um processo»[61]. E, não obstante as inúmeras fraquezas aqui denunciadas, as NU fizeram um enorme esforço para entrar no séc.XXI mais legítimas e mais eficientes do que saíram do anterior, logo, mais relevantes num quadro de governação global.
Ainda assim, a tendência para a futura centralidade ou marginalização da organização mundial dependerá, em última análise, da sua capacidade para definir as relações internacionais em vez de meramente as espelhar. Ou, por outras palavras, da sua libertação das amarras do sistema estatal e respectivos particularismos e progressiva aproximação ao princípio de “humanidade”.
[1] Tradução oficial portuguesa do título do relatório, divulgada pelo Centro Regional de Informação das Nações Unidas, com sede em Bruxelas. Disponível em: http://www.runic-europe.org/portuguese/
[2] A «revolução silenciosa» de Kofi Annan, posta em prática ainda no primeiro mandato, está consubstanciada nos seus três relatórios: «Renovar as Nações Unidas: um programa de reforma», de 1997; «‘Nós, os povos’: o papel das Nações Unidas no século XXI», de 2000; e «Reforçar as Nações Unidas: uma agenda com vista a uma maior mudança», de 2002.
[3] Thomas Weiss e Karen Young, «Compromise and Credibility: Security Council Reform?», Security Dialogue, vol.36(2), 2005, p.13.
[4] Sarah Gillinson, «UN Reform: 1997-2003», Overseas Development Institute, 2003, p.3, disponível em: http://www.odi.org.uk/speeches/un2004/first_meeting_29_April/un_reform_gillinson.pdf.
[5] Joseph Camilleri, «The UN’s Place in the Era of Globalization: A Four-Dimensional Perspective». In Between Sovereignty and Global Governance. The United Nations, the State and Civil Society. London: MacMillan Press Ltd, 1998, p.343.
[6] Sobre uma visão crítica do trabalho destas comissões, ver Edward Luck, «UN Reform Commissions: Is Anyone Listening?». Comunicação apresentada na conferência The Ideas Institutional Nexus, Universidade de Waterloo, 2002, disponível em: http://www.sipa.columbia.edu/cio/cio/projects/waterloo.pdf.
[7] Christian Reus-Smit, «Changing Patterns of Governance: From Absolutism to Global Multilateralism». In Between Sovereignty and Global Governance. The United Nations, the State and Civil Society. London: MacMillan Press Ltd, 1998, p.3.
[8] Thomas Weiss, «The Illusion of UN Security Council Reform», The Washington Quarterly, vol.26(4), 2003, p.157.
[9] Edward Luck, «Power, Reform and the Future of the United Nations», Vanguardia/Dossier, nº14, 2005, p.3, disponível em: http://www.sipa.columbia.edu/cio/cio/projects/LuckVanguardia.pdf.
[10] Que se traduz na opção multilateral apenas quando esta coincide com o interesse nacional norte-americano (Weiss, op. cit, 2003, p.159).
[11] Relatório do Secretário-Geral (A/59/2005), «Em Maior Liberdade: Desenvolvimento, Segurança e Direitos Humanos para todos», 21 de Março de 2005, parágrafo 17.
[12] Projecto Milénio das Nações Unidas, «Investir no desenvolvimento: um plano prático para alcançar os objectivos de desenvolvimento do milénio», apresentado na ONU a 17 de Janeiro de 2005, disponível em: http://www.unmillenniumproject.org/
[13] PNUD, «Relatório do Desenvolvimento Humano – Cooperação internacional numa encruzilhada: ajuda, comércio e segurança num mundo desigual», Setembro de 2005, p.15.
[14] O G77 é a maior coligação de países em desenvolvimento no seio das NU. A sua designação original, mantida por motivos históricos, remete-nos para o número de membros aquando da sua criação em 1964 e que hoje ascende aos 133. Para mais informações sobre o papel desta coligação ver: http://www.g77.org/
[15] Cf. David Malone e Lotta Hagman, “The North-South Divide at the United Nations: Fading at Last?”, Security Dialogue, 2002, vol.33(4), pp. 399-414.
[16] Resolução da Assembleia Geral 2626 (XXV), «Estratégia de desenvolvimento internacional para a segunda década das Nações Unidas para o desenvolvimento», 24 de Outubro de 1970.
[17] É de salientar que Portugal se comprometeu, na 60ª sessão da AG, a atingir a meta dos 0,51% até 2010 (Discurso do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Freitas do Amaral, disponível em: http://www.un.int/portugal/UN60MENEPT.htm).
[18] A nomeação do actual Embaixador dos EUA na ONU esteve envolta em polémica. George W. Bush acabou por recorrer, em Agosto, à possibilidade institucional de ultrapassar a aprovação do Senado, que bloqueava a decisão desde Março dada a conhecida hostilidade de John Bolton à Organização.
[19] “The UN’s Millennium Development Goals – Aspirations and Obligations”, The Economist, 8th September 2005, p.75
[20] O relatório da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estatal, «A responsabilidade de proteger», foi apresentado nas NU a 18 de Dezembro de 2001 e encontra-se disponível em: http://www.iciss.ca/pdf/Commission-Report.pdf.
[21] Resolução da Assembleia Geral (A/60/L.1), «Reunião Plenária de Alto Nível da Sexagésima Sessão da Assembleia Geral», 14-16 de Setembro de 2005, parágrafos 138-140.
[22] Cf. Ayoob, Mohammed, «State-Making, State-Breaking and State Failure: Explaining the Roots of 'Third World' Insecurity». In Between Development and Destruction. An Enquiry into the Causes of Conflict in post-Colonial States. London: MacMillan Press Ltd, 1996, pp.67-90.
[23] Boutros-Ghali, Boutros, An Agenda For Peace. New York: United Nations, 1992, parágrafo 55.
[24] Adenda ao Relatório «Em Maior Liberdade: Desenvolvimento, Segurança e Direitos Humanos para todos» (A/59/2005.Add.2), «Nota explicativa do Secretário-Geral: a Comissão de Consolidação da Paz», 23 de Maio de 2005.
[25] Jessica Almqvist, «A Peacebuilding Commission for the United Nations», Policy Paper nº 4, FRIDE - Fundación para las relaciones internacionales y el diálogo exterior, 2005, p.5, disponível em: www.fride.org/.
[26] Ver Jack Donnelly, International Human Rights. Boulder, Colo.: Westview Press, 1998.
[27] Relatório do Grupo de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança, «Um mundo mais seguro: a nossa responsabilidade comum», apresentado na ONU a 8 de Dezembro de 2004, disponível em: http://www.un.org/secureworld/, parágrafo 258.
[28] Relatório «Em maior liberdade», op. cit., parágrafo 183.
[29] Weiss & Young, op. cit., p.131.
[30] Ver quadro sobre a utilização do poder de veto durante os 60 anos da Organização no site do Global Policy Forum: http://www.globalpolicy.org/security/data/vetotab.htm (consultado em Julho de 2005).
[31] Weiss & Young, op. cit.,p.145.
[32] James Sutterlin, «United Nations Decisionmaking: Future Initiatives for the Security Council and the Secretary-General». In Collective Security in a Changing World. Boulder, Colorado: Lynne Rienner Pubs, 1993, p.130.
[33] Sidney Bailey e Sam Daws, The Procedure of the UN Security Council. Oxford: Oxford University Press, 1998, 3ª ed., p.384.
[34] Ver quadro 5 do relatório, p.44.
[35] A anterior divisão em grupos regionais, pelos quais os membros não-permanentes eram eleitos desde 1965, distinguia Ásia, África, América Latina e Caraíbas, Europa de Leste, Europa Ocidental e Outros Estados.
[36] Ver artigos de Edith Lederer, “Italy Accuses Countries on Council Seats”, da Associated Press, de 26 de Julho de 2005, disponível em: http://www.globalpolicy.org/security/reform/cluster1/2005/0726italyaccuses.htm; e de Evelyn Leopold, “Japan Sees Risks of UN Aid Cut if Council Bid Fails”, da Reuters, de 28 de Julho de 2005, disponível em: http://www.globalpolicy.org/finance/docs/2005/0728japanaidcut.htm
[37] Weiss &Young, op. cit., p.148.
[38] Thomas Weiss, «The Sunset of Humanitarian Intervention? The Responsibility to Protect in a Unipolar Era», Security Dialogue, vol.35(2), 2004, p.145.
[39] Weiss, op. cit., 2003, p.149.
[40] Entre outras medidas, salientam-se o aumento da abertura e transparência dos métodos de trabalho do CS e o reforço das contribuições externas às tomadas de decisão por parte da AG, ONGs, grupos de trabalho, comissões independentes, funcionários das NU, países contribuidores de tropas ou representantes da sociedade civil – a chamada «Fórmula Arria», referente ao Embaixador venezuelano Diego Arria que, em 1993, quando propôs uma reunião informal com um padre bósnio para debater o conflito na ex-Jugoslávia, inaugurou o que é agora uma prática corrente do Conselho.
[41] Relatório «Em maior liberdade», op. cit., parágrafo 158.
[42] Saul Mendlovitz e Burns Weston, «The United Nations at Fifty: Toward Humane Global Governance». In Preferred Futures for the United Nations. Nova Iorque: Transnacional Publishers, Inc., 1995, pp.13-15.
[43] A Resolução da AG 377 (V), «Uniting for Peace», de 3 de Novembro de 1950, foi criada por iniciativa norte-americana para responder à guerra da Coreia e foi posteriormente invocada com o intuito de contornar o impasse no seio do CS e fazer prevalecer a missão da Organização de manutenção da paz e da segurança internacionais, proporcionando à AG a possibilidade de passar resoluções em caso de ameaça ou ruptura da paz, mediante aprovação por dois terços dos Estados-membros. Esta hipótese tem sido, no entanto, mais apelativa do que prática, dada a grande relutância dos Estados em legitimar uma acção militar não sancionada pelo órgão regulador.
[44] Weiss, op. cit., 2003, p.155.
[45] Relatório «Em Maior Liberdade», op. cit., parágrafo 159.
[46] Resolução referente à Reunião Plenária, op. cit., parágrafos 150 e 151.
[47] Resolução referente à Reunião Plenária, op. cit., parágrafo 81.
[48] Relatório do Grupo de Alto Nível, op. cit., parágrafo 159.
[49] Kofi Annan, “Um copo meio cheio”, Público, 20 de Setembro de 2005.
[50] Richard Falk, «The Post-Westphalia Enigma». In Global Governance in the 21st Century: Alternative Perspectives on World Order. Estocolmo: Almkvist & Wiksell International, 2002, p.174.
[51] À semelhança do Parlamento Europeu, que apoia esta iniciativa no quadro da reforma. Ver «European Parliament Resolution on the reform of the UN» (P6_TA-PROV(2005)0237), 6 de Junho de 2005, parágrafo 39, disponível em: http://www.uno-komitee.de/en/documents/B6-0328-2005-EP-EN.pdf.
[52] Andrew Strauss, «A Practical Proposal for Creating a Global Parliament», site Empower the UN, 2002, disponível em: http://www.empowertheun.org/globalparliament.html.
[53] Falk, op. cit., pp.172-173.
[54] Richard Falk, «The United Nations System: Prospects for Renewal», Paper for The Transnational Foundation for Peace and Future Research, 2002, disponível em: http://www.transnational.org/forum/meet/2002/Falk_UNRenewal.html.
[55] Falk, «The United Nations System: Prospects for Renewal», op. cit.
[56] James Rosenau, «Powerful Tendencies, Enduring Tensions and Glaring Contradictions: The United Nations in a Turbulent World». In Between Sovereignty and Global Governance. The United Nations, the State and Civil Society. London: MacMillan Press Ltd, 1998, p.261.
[57] Cf. José Manuel Pureza, «Para um internacionalismo pós-vestefaliano». In Globalização: Fatalidade ou Utopia? Porto: Edições Afrontamento, 2001, p.248.
[58] Mendlovitz & Weston, op. cit., p.18.
[59] LeRoy Bennett, International Organizations. Principles and Issues. New Jersey: A Simon & Schuster Company, 1995, 6ª ed., pp.7; 433.
[60] Cf. Malone & Hagman, op. cit., pp. 399-414.
[61] Relatório do Secretário-Geral Kofi Annan (A/51/950), «Renovar as Nações Unidas: um programa de reforma», 14 de Julho de 1997, parágrafo 25.