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Artigo de opinião no Diário de Aveiro, 08 | novembro | 2019

Rui Oliveira




Da ambição à graça? Bloom, Brooks, Ephron e Wallace

O professor e crítico literário Harold Bloom cunhou uma expressão na sua obra homónima, «The anxiety of influence» (a tradução proposta por Miguel Tamen é «A angústia da influência») , que tem como propósito elucidar como novos poetas correm o risco de ficar paralisados pela qualidade e grandeza daqueles que os precedem, podendo, em muitas situações, bloquear a escrita e o aparecimento de novos valores. Dito de forma mais poderosa, «a criatividade não era uma inclinação de cabeça agradecida ao passado, mas uma luta freudiana na qual os artistas negavam e distorciam os seus ancestrais literários enquanto produziam obras que revelavam uma dívida inconfundível» (The Guardian, 14-10-2019), potenciando, consequência do peso da comparação, vozes menos originais.

«A Segunda Montanha» é o mais recente livro do colunista do New York Times e comentador político David Brooks, onde procura explicar que a sociedade necessita ser relembrada de que a vida interior é tão ou mais importante do que o sucesso profissional e financeiro (aquilo a que chama a «primeira montanha»). Para tal, reflecte sobre o caminho para alcançar estas duas montanhas metafóricas. Enquanto indivíduos, enquanto sociedade, devemos alterar a nossa perspectiva e forma de viver através de compromissos mais virados para os outros, para a comunidade, como forma de se atingir a segunda montanha, onde, segundo o autor, a alegria pode ser encontrada. Isto em clara oposição à primeira montanha, cujo percurso é necessariamente mais individual e egocêntrico.

Por que motivo refiro estas duas obras? Vivemos demasiado intensamente a primeira montanha e sofremos, cada um na sua realidade específica, com esta ideia da angústia da influência (ou ansiedade da comparação). E, por isso, é essencial ponderar mais sobre a segunda montanha, independentemente dos compromissos que cada um queira estabelecer para lá chegar.

L.A. King e C.K. Napa, num artigo de 1998 no «Journal of Personality and Social Psychology», concluíram que, embora as pessoas reconheçam, geralmente, que dinheiro e sucesso são factores menos importantes para a felicidade, adoptamos um comportamento contraditório , o nosso maior foco é precisamente a perseguição de dinheiro e sucesso. Paralelamente, L.E. Park, D.E. Ward e K. Naragon-Geiney, num artigo de 2017 no «Personality and Social Psychology Bulletin», argumentaram que, apesar da importância do sucesso profissional e financeiro, outro paradoxo ocorre, consistindo na associação que fazemos da nossa autoestima a uma ideia ou plano de sucesso financeiro pese embora os efeitos negativos que isso provoca , esta associação consegue prever “mais comparações sociais financeiras, irritações financeiras, stress, ansiedade e menos autonomia”.

Numa crítica à última peça de Nora Ephron, «Lucky Guy», é dito que a autora substituiu a ambição por graça (ou elegância, gentileza). E o filme sobre o escritor David Foster Wallace, «The end of the tour», onde num dos diálogos o falecido autor fala de como sempre creu que quando escrevesse o grande romance americano tornar-se-ia uma pessoa diferente (a gravidade da sua depressão desapareceria?), tendo perguntado a certa altura (parafraseio): «consegui escrever o grande romance americano, mas continuo a sentir-me igual; e agora?».

Como ambicionar e lutar por sucesso profissional sem deixar que isso afecte o caminho para a segunda montanha? Não sei, até porque tudo à nossa volta nos parece mostrar a sua incompatibilidade, mas continuarei a pensar sobre isso.

 

Fonte: Diário de Aveiro

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