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Artigo de opinião no Diário de Aveiro, 14 | Outubro | 2019

Rui Oliveira




A política é sempre um jogo de soma zero?

Não será exagero considerar que pensamos muito sobre o mundo da política como um jogo de soma zero, isto é, onde um perde na exacta medida em que outro ganha, ou vice-versa. E há situações em que isso acontece. Não há dinheiro para mais; é preciso optar por um caminho ou por outro; apenas uma hipótese é possível. Contudo, e mesmo sendo reconhecido o nosso enviesamento cognitivo em relação à soma zero, é assim tão generalizável a ideia de que a política é um jogo de soma zero? Os três exemplos a seguir tentam mostrar que não.

(1) Somos mais sensíveis a notícias negativas do que positivas. Num estudo recente de Stuart Soroka, Patrick Fournier e Lilach Nir para a revista científica «PNAS», os autores chamam a atenção para o facto de a cobertura noticiosa ser predominantemente negativa. Esta tendência estará associada a uma predisposição humana para uma reacção psicológica e cerebral mais intensa a notícias negativas, havendo quem defenda que isto advém da nossa evolução (as ameaças eram muito mais decisivas para a sobrevivência do que a procura de possíveis benefícios). Ainda assim, o que o estudo de Soroka e colegas argumenta é que, «especificamente num sistema de media diversificado, os produtores de notícias não devem subestimar o público no seu desejo e capacidade de absorver conteúdo positivo». Não é o público, ao nível individual, que exclusivamente quer consumir notícias negativas e não são unicamente os agentes informativos a proporcionar, sem mais, conteúdos negativos.

(2) Raj Chetty e a luta a favor da igualdade: Chetty é um economista da Universidade de Harvard, que trabalha na área da economia pública (estudo de políticas governamentais e a forma como podem ser melhoradas) e se tornou famoso pela agregação e uso de quantidades massivas de dados na análise, entre outras, dos desafios e características da mobilidade social. Num desses trabalhos, Chetty e colegas procuram perceber os efeitos do local onde se nasce no futuro rendimento, concluindo que nascer numa zona mais rica ou mais pobre determina, respectivamente e com forte probabilidade, o potencial de rendimento. Ora, como forma de solucionar, Chetty sugere, convincentemente, que o Estado deve apoiar a mudança de famílias mais pobres para locais a que chamou «oportunidades de pechincha» (zonas com rendas baixas, mas mais seguras, com acesso a melhores escolas, etc.). Claro que isto implica um investimento elevadíssimo, cujo apoio público e parlamentar é difícil de obter, também resultado da lógica soma zero. Porém, Chetty e colegas demonstram que, sobretudo a médio/longo prazo, quer a nível micro (indivíduos) quer a nível macro (sociedade) os benefícios seriam tremendos.

(3) A preocupação com animais não é incompatível com a preocupação com humanos. A luta contra o sofrimento é, por vezes, acompanhada pela pergunta «então tens preocupação com isto, mas então e aquilo?». Os investigadores Yon Soo Park e Benjamin Valentino, num artigo na «Human Rights Quarterly», estudaram este dilema com o objectivo de perceber se a compaixão é um jogo de soma zero. Para tal, analisaram respostas de um inquérito de opinião à população onde se perguntava acerca do seu apoio a direitos animais, procurando testar os efeitos em relação a preocupações com o sofrimento humano (direitos civis, políticas de saúde, habitação, etc.). Uma das suas conclusões é que as pessoas que defendem a ajuda governamental a doentes têm 80% mais probabilidade de defenderem direitos animais e, embora com um efeito menos forte, quem defende direitos animais é mais sensível à necessidade de intervenção estatal e social no combate a vários tipos de sofrimento humano. A manifestação de preocupação com um tipo de sofrimento só aumenta, não exclui, a probabilidade de preocupação com outros tipos de sofrimento.

A decisão política é complexa, sem dúvida. Mas é preciso ter muito cuidado ao achar que um caminho impede necessariamente o outro.

 

Fonte: Diário de Aveiro

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